quarta-feira, 10 de março de 2010

‘A vida começa aos 40’, mas que vida?




A Ponta da Ilha, em Jurujuba, Niterói (RJ), às margens da Baía de Guanabara, em Niterói. Minha casa é a do coqueiro, que de brincadeirinha chamo de ‘ser superior’. Não precisa correr atrás de alimento para a sua sobrevivência, basta estender suas folhas para o Sol. Tem diversão garantida com os pardais, sanhaços e bem-te-vis que se alternam para fazer os seus ninhos. Curte uma paisagem deslumbrante da Baía de Guanabara, e ainda faz uma ‘média’ comigo, oferecendo deliciosos cocos de vez em quando...

“Não pretendemos que as coisas mudem se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo, sem ficar “superado”. - Albert Einstein


Não acredito nessa história de crise dos 40 anos, mas, coincidência ou não, neste período, por volta do ano de 1.999, tomei decisões difíceis que exigiram coragem. Foi um ano especial para mim também por que estive no Japão, onde fui receber o Prêmio Global 500 da ONU Para o meio ambiente, uma homenagem antes concedida a pessoas que eu admiro, como Chico Mendes e Betinho, então, me senti feliz pela indicação. Se por um lado eu tinha o privilégio de receber em vida as homenagens e o reconhecimento dos meus pares, por outro, mergulhava numa fase de crise e decisões difíceis. Diz-se que "a vida começa aos 40", mas a pergunta é, qual vida? Talvez a transição dos 40 anos seja mais um dos ritos de passagem como a adolescência, em que não se é mais tão jovem, porém ainda não se é velho. Penso que a verdadeira crise, é a crise da falta de coragem para tomar decisões. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Então, decidi trabalhar duro para aproveitar a outra metade da minha laranja! Tragédia teria sido não querer lutar para superar a minha ‘crise dos 40’.

Foi mais ou menos por volta deste período de minha vida que minha saúde ‘de ferro’ começou a ceder lugar para as primeiras pedrinhas nos rins, logo depois o diabetes, seguido da pressão e do colesterol altos, sinais da natureza de que eu não era imortal! Logo, seria insensatez de minha parte pretender viver como se nunca fosse morrer! Pareceu-me mais sensato viver bem, um dia de cada vez, por que o futuro é incerto. Na verdade, só vivemos no presente, que é onde podemos tomar decisões e fazer escolhas. Então, também me pareceu sensato passar a cuidar melhor de minha saúde e se antes não sentia necessidade de ir a médicos ou tomar remédios, cuidar melhor da alimentação ou de fazer exercícios, agora a situação era diferente!

Foi um período importante em que olhei para minha vida em perspectiva, como se ela fosse uma laranja da qual eu já tivesse chupado a metade. Calculei que me restavam poucos anos realmente produtivos à minha frente. E sobre a outra metade, que me restava, já sabia que não iria aproveitar bem toda ela, primeiro por que teria de dormir pelo menos um terço de minha vida, e, segundo, por que naturalmente, ao finalzinho, o ‘caldo’ já não seria tão bom quanto agora, pois a natureza estaria se encarregando com cada vez maior competência para que mais cedo ou mais tarde eu desocupe este espaço...! Então, não tinha mais tempo a perder, e o tempo era bem curto! Na época, ao ler Ricardo Gondim, em Tempo que Foge, percebi que ele também tinha chegado, mais ou menos, à mesma conclusão:

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de "confrontação", onde "tiramos fatos à limpo".

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será curta e delicada:

- Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos".

Meu tempo tornou-se escasso 'para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a "última hora"; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus.

Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.

Um comentário:

  1. prezado Vilmar,voce me abriu os olhos e eu também achava que tinha uma saude de ferro e já começaram os probleminhas.Sou infeliz no meu emprego e minha familia esta longe.
    Parabéns pela coragem.
    Um abraço
    Henrique

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Olá, obrigado por seu comentário!
Um abração do
Vilmar