sábado, 13 de março de 2010

Quando me chamavam de Sidnei






“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.” - Gandhi


“É preciso cortar antes de limar, entalhar antes de polir”. - provérbio chinês


Nasci em Porto Alegre (RS), em 11 de outubro de 1956, em uma família pobre, que se desagregou cedo, e sobre a qual até hoje não tenho muitas informações. As primeiras lembranças de minha infância são por volta dos cinco anos de idade, quando já morava em Brasília.

No ano que nasci, foi eleito presidente do Brasil o mineiro Juscelino Kubitschek, com o lema "Cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo". Sua gestão foi marcada pela implementação de um ambicioso programa de obras públicas com destaque para construção da nova capital federal. Em busca de melhores condições de vida, pessoas de todos os cantos do Brasil chegavam a Brasília, apesar da maioria das construções estarem ainda em seus esqueletos. Assim, os operários e trabalhadores, os ‘Candangos’, foram os primeiros habitantes de Brasília. Meu pai foi um deles, e nos levou juntos, eu, com cinco anos, meu irmão, César, com três e Cléia, com um ano e meio. Meu pai saía para trabalhar e nos deixava trancados, num barraco de um único cômodo, com apenas um saco de pão dormido. Não me lembro de ter notícias de minha mãe ou mesmo de alguma figura feminina nesta época. Cresci achando que minha mãe havia morrido num incêndio, segundo versão do meu pai, na qual acreditei até aos 13 anos, quando descobri que minha mãe era viva!

Desde cedo tive de ir à luta. Tive de ‘fazer uma limonada dos limões que recebi’. Existem pessoas que diante das dificuldades - que são inerentes à existência -, preferem se acomodar a se sentirem vítimas das circunstâncias, ou então, nem tentam, por medo de errar, e assim acabam reproduzindo as mesmas escolhas.

Descobri muito cedo que o mundo melhor que eu desejava dependia de mim e não do outro, que não tinha o direito de depositar sobre os ombros de ninguém a responsabilidade de me fazer feliz.

Meu irmão, César, me lembra que ficava esperando eu voltar da rua, passando pelo basculante que tinha no alto de sua cama, por que sempre trazia algo para comer - que naturalmente eu conseguia na vizinhança! Por ser o mais velho dos três, eu era mais solicitado. Assim, acabei tendo de assumir muito cedo, responsabilidades para as quais, claro, não estava preparado.

Meu maior temor, nessa época, eram as boiadas. Antes de me arriscar em sair para as ruas, me assegurava de não haver nenhuma nuvem de poeira no horizonte, pois podia significar uma boiada vinda em minha direção! O resultado dessa dieta pobre foi que nós três ficamos muito doentes e meu pai acabou migrando para Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, separada da capital, a Cidade do Rio de Janeiro, pela Baía de Guanabara.

Comparo o meu amadurecimento com um seixo rolado, aquelas pedras redondas depositadas nas margens dos rios. No início, ao se desprender do rochedo, a pedra era cheia de arestas e ao longo de sua descida, ao se confrontar com outras pedras no caminho, foi perdendo as arestas até ficar redonda e assim pode passar a fluir com mais facilidade rio abaixo.

"Não devemos ter medo dos confrontos. Até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas!" - Charles Chaplin


Cada confronto que tive na vida certamente me ajudou a amadurecer a ponto de conseguir lidar com as dificuldades com cada vez maior facilidade. O amadurecimento da pessoa não tem a ver, necessariamente, com a quantidade de anos que viveu, mas como a maneira como soube aproveitar o que aconteceu à sua volta e consigo própria. Existem jovens já muito maduros e idosos ainda imaturos! Quando era criança, lembro que os adultos gostavam de conversar comigo e que eu me sentia melhor no meio deles que entre os jovens e crianças de minha idade! Pouco a pouco fui aprendendo a escolher, e a assumir os ônus e os bônus de minhas escolhas.

"Sou do tamanho do que vejo. E não do tamanho da minha altura." - Fernando Pessoa


Assim que chegamos a Niterói moramos um tempo na rua, numa calçada perto da rodoviária, no centro da cidade. Meu pai fixava uma espécie de lençol no muro, para nos abrigar - ou nos esconder dos olhos do público! Mais uma vez, ele contava comigo para se ausentar. Com cerca de seis anos de idade tinha de cuidar de meus irmãos menores. Creio que durante alguns dias ou semanas, esta foi a nossa ‘casa’ até que meu pai levou a mim e ao meu irmão para a Casa do Garoto, no bairro do Cubango, em Niterói, onde havia um abrigo do Juizado de Menores. Cléia ele levou para outro internato, para meninas, no Rio de Janeiro.

Meu pai nos deixou ali e foi embora. As pessoas que me conheceram na ocasião contam que eu era muito falante e curioso e vivia cantarolando uma música: “Carolina, Carolina, você tem a perna fina, oh, oh, Carolina!” Só mais tarde, quando conheci minha mãe descobri que ela tinha uma perna mais fina do que a outra. A música devia ter algo a ver com ela...

"Se à noite choras pelo Sol, não verás as estrelas.” - Tagore


Reconheço que muito do meu jeito de pensar, de reagir, de me comportar ainda hoje, tem raízes nessas experiências que vivi ainda na infância! O sentido de responsabilidade e seriedade que dou a tudo o que faço, o cuidado que tenho com as pessoas que dependem de mim de alguma maneira, a valorização que dou à vida, à natureza, à família, a tendência a não deixar passar batido o que acontece à minha volta tendendo a ser reflexivo e a extrair um ensinamento de cada episódio, por mais banal que pareça, a tendência de tentar resolver por mim próprio os problemas antes de pedir ajuda. Identifico em cada um desses aspectos um pouco do que vivi quando criança. O que me fez ficar alerta quando tive de educar meus próprios filhos, sabendo que o que vivemos desde a nossa primeira infância pode nos marcar para a vida toda.

Como não tínhamos idade para ingressar formalmente na Casa do Garoto, o Diretor, Sr. Miller, ia nos encaminhar ao Juizado. Entretanto, o casal de zeladores foi generoso e pediu para ficar conosco, informalmente. Os chamávamos de ‘Papai João Couto’ e ‘Mãe Hogla’. Com quatro filhas adolescentes Marísia, Mércia, Marluce e Marilúcia e um filho, Moisés, num total de cinco irmãos, nos abraçaram como se fôssemos membros da família. Foi a mais importante experiência que eu e meu irmão tivemos na infância, de viver numa família estruturada.

Era chamado pelo segundo nome. Meu irmão César e as pessoas que me conheceram antes do Serviço Militar, ainda me chamam de Sidnei! Só a partir do Exército é que passei a ser chamado pelo primeiro nome, Vilmar, e até eu próprio estranhava, já que até então ninguém nunca havia me chamado assim!

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Vilmar