sábado, 13 de março de 2010

Escolhas de uma vida


“A cana só dá suco depois de passar por uns bons apertos”. - Berilo Neves


Sempre gostei de biografias. Elas contam a história por detrás da história, as circunstâncias dos ‘apertos’ que os autores viveram para escrever o que escreveram, compartilharam conosco um pouco de seus dramas, suas paixões, seus amores, seus ódios, seus delírios, sua felicidade, suas infelicidades, boa ou má sorte, enganos, traições, imprevistos, destino, fatalidade, escolhas... Ao ler as histórias de vida de outras pessoas, encontrei material suficiente para ir compreendendo a mim mesmo, à minha natureza e condição humanas, e assim, compreender melhor o humano que há nos outros. Terêncio, poeta e dramaturgo romano, que viveu em torno de 150 a.C., disse que "nada do que é humano me é estranho" e Charles C. Colton escreveu que “aquele que conhece a si mesmo conhece os outros.”

Nos encontros com meus leitores freqüentemente me perguntam onde encontro inspiração para escrever!? E quando digo que minha inspiração nasce do meu cotidiano vivido, e conto um pouco sobre os limões que recebi e como fiz uma limonada com eles, os leitores querem saber mais e sempre me pediram que escrevesse um livro sobre a minha vida. Esta é uma tentativa de atender a estes pedidos.

"Não sou melhor porque me elogiam, não sou pior porque me caluniam. Eu sou o que sou, e não o que dizem." - Tomás de Aquino


Escrevi estes textos não com a intenção de me vangloriar ou receber mais reconhecimentos dos que os que já tive a honra e a felicidade de receber em vida, mas como um processo de autoconhecimento que compartilho aqui com os leitores, sem maiores pretensões!

“O todo sem a parte não é todo, a parte sem o todo não é parte; mas se a parte fez todo, sendo parte, não se diga que é parte, sendo todo.” - Gregório de Matos, poeta do barroco brasileiro (século XVII).


A primeira dificuldade que tive de enfrentar foi a decisão em dividir a história em partes. Fritjof Kapra alerta que a abordagem mecanicista reducionista não é apropriada para compreender seres vivos. “Se separarmos uma entidade viva, matamo-la”. Entretanto, resolvi correr o risco, na tentativa de me fazer compreensível. Estas partes, escolhidas, darão conta de revelar realmente o que ou quem eu sou ou me tornei, ou apenas revelarão uma imagem que faço de mim? Então, alerto aos leitores que estas partes, verdadeiramente, não existem, por que não existe um “eu criança”, um “eu adolescente”, um “eu adulto”, um “eu ecológico”, um “eu literário”, um “eu amoroso”, um “eu espiritual”, um “eu pai”, um “eu filho”, etc. Estes são apenas papéis ao longo da vida! Talvez uma tentativa de nos tornar mais compreensíveis, mas o que existe na verdade é uma pessoa complexa tentando ser simples, em processo contínuo de se tornar pessoa, e que ainda assim não sou eu, por que não sou sozinho!

"Todos os seres humanos estão presos numa teia inescapável de mutualidade; entrelaçados num único tecido do destino. O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indiretamente. Não posso nunca ser o que deveria ser até que você seja o que deveria ser e você não pode nunca ser o que deveria ser até que eu seja o que devo ser" - Martin Luther King


Para me compreender adequadamente preciso compreender os outros com quem me relaciono, que exercem influência sobre mim e que influencio. Preciso compreender o contexto em que vivi e ainda vivo, como ele interagiu e interage comigo, e como interajo nele. Então, a idéia que faço de mim é uma falsa idéia de mim, por que não sou pessoa, sou um dos nós de uma imensa rede dentro de outras redes, todas interligadas e interconectadas, apoiando-se mutuamente, uma rede que não inclui apenas aos meus semelhantes, mas também aos que não são semelhantes, ao Planeta inteiro, ao Universo inteiro! Mas como não consigo dar conta deste ser holístico, que na verdade somos, então, tive de apelar para o velho reducionismo cartesiano, na esperança de que os leitores, uma vez compreendendo as partes, consigam intuir o todo, do qual, a partir deste momento, também passam a fazer parte!

"Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida e nos marcam para sempre." - Cecília Meireles


Os leitores também costumam me perguntar sobre que autores me influenciaram. Então, ao longo do texto, estarei compartilhando pensamentos e trechos escolhidos que foram e ainda são importantes para mim. Gosto de pensar nesses autores como ‘amigos espirituais’, por que foram generosos o bastante para compartilhar suas experiências de vida, suas reflexões ou perplexidade diante da vida, suas histórias.

Durante boa parta de minha infância vendi sonhos, doces que meu pai fabricava com maestria. De uma certa maneira, continuo como um vendedor de 'sonhos' agora na forma de idéias...

“Vilmar acredita - e convence seus interlocutores de maneira inquestionável - que a grande mudança que o Brasil precisa se inicia com o despertar da consciência de cada brasileiro a respeito de si próprio e de sua importância para o tecido social. Mas o Vilmar é mais do que isso. Além de falar, ele produz. E como! Escreve livros para todas as idades - com fluência e elegância - e planta sementes num futuro melhor. Edita uma revista e um portal ambiental - e consegue, com rara habilidade, a fórmula do sucesso: ser honesto intelectualmente (não abre mão de seus pontos de vista) e vitorioso economicamente (consegue sobreviver com isto). Produz raciocínio eco e lógico para atuação parlamentar, se multiplicando como cidadão político. E ainda encontra tempo para ser uma verdadeira liderança ambiental, daquelas que a gente precisa ter, gostaria de ser e não tem coragem. Vilmar denuncia, propõe e cobra providências. O dia inteiro. Em todos os canais. De todas as maneiras. Do alto de suas sandálias, Vilmar mostra que influenciar pessoas é um ato de persistência, inteligência e fé. E que a mudança de comportamento é uma questão de modelos, referências, e de vontade. Do alto de suas sandálias, Vilmar está ficando cada vez mais parecido com a causa ambiental: ele mostra que é possível ser complexo, sendo simples. Na convivência com ele, espero aprender a calçar sandálias.” - Rogério R. Ruschel - jornalista, publicitário e consultor especializado em meio ambiente e ecoturismo, é autor de 11 “cases” ambientais e de marketing para organizações como Unibanco, Grupo Votorantim, Iguatemi, Shell, Fundação SOS Mata Atlântica e Grupo Coimex, dos quais 07 receberam prêmios. Foi consultor para o desenvolvimento do “Top de Marketing” da ADVB e mentor e realizador do “Prêmio Ambiental von Martius”, instituído em 2.000 pela Câmara de comercio e Indústria Brasil-Alemanha, que no seu terceiro ano de realização é considerado o prêmio mais desejado neste segmento (bateu todos os recordes de inscrições).

Quando me chamavam de Sidnei






“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.” - Gandhi


“É preciso cortar antes de limar, entalhar antes de polir”. - provérbio chinês


Nasci em Porto Alegre (RS), em 11 de outubro de 1956, em uma família pobre, que se desagregou cedo, e sobre a qual até hoje não tenho muitas informações. As primeiras lembranças de minha infância são por volta dos cinco anos de idade, quando já morava em Brasília.

No ano que nasci, foi eleito presidente do Brasil o mineiro Juscelino Kubitschek, com o lema "Cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo". Sua gestão foi marcada pela implementação de um ambicioso programa de obras públicas com destaque para construção da nova capital federal. Em busca de melhores condições de vida, pessoas de todos os cantos do Brasil chegavam a Brasília, apesar da maioria das construções estarem ainda em seus esqueletos. Assim, os operários e trabalhadores, os ‘Candangos’, foram os primeiros habitantes de Brasília. Meu pai foi um deles, e nos levou juntos, eu, com cinco anos, meu irmão, César, com três e Cléia, com um ano e meio. Meu pai saía para trabalhar e nos deixava trancados, num barraco de um único cômodo, com apenas um saco de pão dormido. Não me lembro de ter notícias de minha mãe ou mesmo de alguma figura feminina nesta época. Cresci achando que minha mãe havia morrido num incêndio, segundo versão do meu pai, na qual acreditei até aos 13 anos, quando descobri que minha mãe era viva!

Desde cedo tive de ir à luta. Tive de ‘fazer uma limonada dos limões que recebi’. Existem pessoas que diante das dificuldades - que são inerentes à existência -, preferem se acomodar a se sentirem vítimas das circunstâncias, ou então, nem tentam, por medo de errar, e assim acabam reproduzindo as mesmas escolhas.

Descobri muito cedo que o mundo melhor que eu desejava dependia de mim e não do outro, que não tinha o direito de depositar sobre os ombros de ninguém a responsabilidade de me fazer feliz.

Meu irmão, César, me lembra que ficava esperando eu voltar da rua, passando pelo basculante que tinha no alto de sua cama, por que sempre trazia algo para comer - que naturalmente eu conseguia na vizinhança! Por ser o mais velho dos três, eu era mais solicitado. Assim, acabei tendo de assumir muito cedo, responsabilidades para as quais, claro, não estava preparado.

Meu maior temor, nessa época, eram as boiadas. Antes de me arriscar em sair para as ruas, me assegurava de não haver nenhuma nuvem de poeira no horizonte, pois podia significar uma boiada vinda em minha direção! O resultado dessa dieta pobre foi que nós três ficamos muito doentes e meu pai acabou migrando para Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, separada da capital, a Cidade do Rio de Janeiro, pela Baía de Guanabara.

Comparo o meu amadurecimento com um seixo rolado, aquelas pedras redondas depositadas nas margens dos rios. No início, ao se desprender do rochedo, a pedra era cheia de arestas e ao longo de sua descida, ao se confrontar com outras pedras no caminho, foi perdendo as arestas até ficar redonda e assim pode passar a fluir com mais facilidade rio abaixo.

"Não devemos ter medo dos confrontos. Até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas!" - Charles Chaplin


Cada confronto que tive na vida certamente me ajudou a amadurecer a ponto de conseguir lidar com as dificuldades com cada vez maior facilidade. O amadurecimento da pessoa não tem a ver, necessariamente, com a quantidade de anos que viveu, mas como a maneira como soube aproveitar o que aconteceu à sua volta e consigo própria. Existem jovens já muito maduros e idosos ainda imaturos! Quando era criança, lembro que os adultos gostavam de conversar comigo e que eu me sentia melhor no meio deles que entre os jovens e crianças de minha idade! Pouco a pouco fui aprendendo a escolher, e a assumir os ônus e os bônus de minhas escolhas.

"Sou do tamanho do que vejo. E não do tamanho da minha altura." - Fernando Pessoa


Assim que chegamos a Niterói moramos um tempo na rua, numa calçada perto da rodoviária, no centro da cidade. Meu pai fixava uma espécie de lençol no muro, para nos abrigar - ou nos esconder dos olhos do público! Mais uma vez, ele contava comigo para se ausentar. Com cerca de seis anos de idade tinha de cuidar de meus irmãos menores. Creio que durante alguns dias ou semanas, esta foi a nossa ‘casa’ até que meu pai levou a mim e ao meu irmão para a Casa do Garoto, no bairro do Cubango, em Niterói, onde havia um abrigo do Juizado de Menores. Cléia ele levou para outro internato, para meninas, no Rio de Janeiro.

Meu pai nos deixou ali e foi embora. As pessoas que me conheceram na ocasião contam que eu era muito falante e curioso e vivia cantarolando uma música: “Carolina, Carolina, você tem a perna fina, oh, oh, Carolina!” Só mais tarde, quando conheci minha mãe descobri que ela tinha uma perna mais fina do que a outra. A música devia ter algo a ver com ela...

"Se à noite choras pelo Sol, não verás as estrelas.” - Tagore


Reconheço que muito do meu jeito de pensar, de reagir, de me comportar ainda hoje, tem raízes nessas experiências que vivi ainda na infância! O sentido de responsabilidade e seriedade que dou a tudo o que faço, o cuidado que tenho com as pessoas que dependem de mim de alguma maneira, a valorização que dou à vida, à natureza, à família, a tendência a não deixar passar batido o que acontece à minha volta tendendo a ser reflexivo e a extrair um ensinamento de cada episódio, por mais banal que pareça, a tendência de tentar resolver por mim próprio os problemas antes de pedir ajuda. Identifico em cada um desses aspectos um pouco do que vivi quando criança. O que me fez ficar alerta quando tive de educar meus próprios filhos, sabendo que o que vivemos desde a nossa primeira infância pode nos marcar para a vida toda.

Como não tínhamos idade para ingressar formalmente na Casa do Garoto, o Diretor, Sr. Miller, ia nos encaminhar ao Juizado. Entretanto, o casal de zeladores foi generoso e pediu para ficar conosco, informalmente. Os chamávamos de ‘Papai João Couto’ e ‘Mãe Hogla’. Com quatro filhas adolescentes Marísia, Mércia, Marluce e Marilúcia e um filho, Moisés, num total de cinco irmãos, nos abraçaram como se fôssemos membros da família. Foi a mais importante experiência que eu e meu irmão tivemos na infância, de viver numa família estruturada.

Era chamado pelo segundo nome. Meu irmão César e as pessoas que me conheceram antes do Serviço Militar, ainda me chamam de Sidnei! Só a partir do Exército é que passei a ser chamado pelo primeiro nome, Vilmar, e até eu próprio estranhava, já que até então ninguém nunca havia me chamado assim!

A difícil convivência com meu pai






"Me ame quando eu menos merecer, pois é quando eu mais preciso" - Provérbio chinês


Quando meu pai ressurgiu em minha vida eu tinha uns nove anos. Lembro das brigas com o casal que cuidava de nós. Meu pai os acusava, injustamente, de nos ter ‘roubado’ dele. Na verdade, ele estava interessado mais em mim, para vender doces nas ruas de Niterói, o que acabou acontecendo depois que fui obrigado a voltar a morar com ele. Era uma realidade completamente diferente para mim. Na casa de Mãe Hogla nem sair à rua eu podia! Com meu pai, a rua era onde eu tinha de passar o meu dia e tinha de ficar esperto para não ser enganado na hora do troco ou para evitar perder a mercadoria para os chamados ‘rapa’, como eram chamados os guardas municipais, que reprimiam o comércio clandestino de camelôs! Um dia recolheram minha mercadoria. Pequei uma pedra grande e lancei sobre o vidro do carro dos ‘rapas’ e corri até não poder mais. Ao chegar a casa, ainda levei uma surra do meu pai por ter perdido a mercadoria. Revoltado com a situação fugi e voltei para a casa de Mãe Hogla, que me recebeu com alegria. Mas meu pai voltou lá e me resgatou novamente. Para evitar que eu continuasse fugindo, ele mudou-se para mais longe, Tribobó, em São Gonçalo, município muito carente, vizinho a Niterói, aonde vim a conhecer um pouco mais sobre minha história.

Um dia, recebemos a visita de dois irmãos, por parte de pai, a Elmínia, que veio com o filhinho, e o Fernando, acompanhado pela esposa Odite. Para mim, uma surpresa, pois pouco sabia sobre o passado do meu pai, muito menos que eu tinha outros irmãos, Fernando, Elmínia e a Odete. Soube então que o meu pai obrigava a primeira esposa a conviver com minha mãe na mesma casa até o desquite, um ano antes do meu nascimento. Na época, o Fernando tinha 13 anos, a Elmínia 11 e Odete, 5 anos. O pai pagou pensão por algum tempo, mas logo deixou de pagar, e o meu irmão Fernando, com apenas 13 anos teve de trabalhar duro para ajudar a mãe dele a sustentar a família.

Mesmo pequeno, pude perceber quanta dor e assuntos mal resolvidos existiam na vida passada do meu pai. Lembro que ele reclamou bastante de mim ao Fernando. Que eu era muito rebelde, fujão e que o enfrentava. O sentimento que tive foi de que ninguém ali gostava de mim, e, claro, nestas condições só reagia no sentido de gostarem menos ainda.

“Todos têm uma criança alegre dentro de si, mas poucos a deixam viver.” - Augusto Cury


Logo depois, fugi de novo, de volta para a casa de Mãe Hogla e Papai João Couto. Caminhei descalço por cerca de dez quilômetros, só de calção e sem camisa, debaixo de um sol de verão carioca de mais de 40 graus! Sentia o asfalto mole debaixo dos meus pés, de tão quente! Meu esforço sensibilizou uma das filhas, Mércia, que acabara de se casar com Silvinho e estava de mudança para Macaé (RJ). Decidiram me levar junto. Foi um dos melhores períodos de minha infância!

Macaé, nesta época, era uma cidade pequena do interior antes de ser invadida pelo ‘progresso’, com a descoberta do Petróleo na Bacia de Campos. Acompanhei o que o crescimento econômico fez com a pequena cidade. A concentração de renda aprofundou a divisão entre ricos e pobres e criou uma cidade partida, de um lado a miséria e do outro o luxo, com uma classe média entre eles. Recentemente, Macaé foi apontada em pesquisa nacional como uma das mais violentas do Brasil! A explosão demográfica e a especulação imobiliária não mediram esforços na ocupação de margens de rios e lagoas, desmatando e subindo encostas, poluindo as águas com esgoto e o solo com lixo! O que vi acontecer com Macaé serviu-me de referência e reflexão sobre um tipo de ‘progresso’ que mais apropriadamente deveria se chamar ‘retrocesso’, pois costuma deixar atrás de si um rastro de terra ambientalmente arrasada, miséria e exclusão social. Em termos de progresso e qualidade de vida, em minha opinião, a Macaé de hoje é uma pálida imagem da Macaé do passado, embora agora a riqueza seja farta nas mãos de uns poucos. Vi diante de meus olhos o legítimo e necessário consumo para atender nossas necessidades ser transformado num consumismo desperdiçador de recursos, onde TER se tornou mais importante que SER e a felicidade passou a ser confundida com a posse de bens materiais.

Apesar das adversidades, considero que fui uma criança feliz, ao meu jeito, pois desde cedo percebi que a felicidade não dependia de eu ter uma mãe presente, ou um pai amoroso, ou brinquedos, ou roupas e calçados da moda, essas coisas que via que as outras crianças tinham, e eu não. Descobri que ninguém tinha a responsabilidade de me fazer feliz, a não ser eu mesmo!

“Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com freqüência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.” - William Shakespeare


Como saber se minhas escolhas me conduziriam à felicidade? Como ter certeza de que, ao tentar mudar de uma situação que considero infeliz, não cairia em outra que me traria ainda mais infelicidade? Como ser uma pessoa boa, generosa, num mundo onde o mal parece triunfar mais que o bem? Ao procurar pelas respostas tive de encarar o desafio de viver de verdade e não apenas existir.

"A natureza faz do homem um ser natural. A sociedade faz dele um ser social. Somente o homem é capaz de fazer de si um ser livre." - Rudolf Steiner


Ninguém nasce predestinado a ter uma visão otimista ou pessimista da vida, ou a ser feliz ou infeliz. Somos o resultado de nossas escolhas. Estou falando aqui de situações de normalidade e não de casos de doenças. A depressão, por exemplo, pode influir em nossa maneira de ver o mundo e tomar decisões, por isso merece tratamento. Normalmente, podemos reagir ao que nos acontece, de maneira instintiva, por impulso, de acordo com a nossa natureza, ou de acordo com a nossa cultura ou, ainda, segundo nossas escolhas; mas o fato é que não temos de ser vítimas nem marionetes do destino ou das circunstâncias!

Lembro de uma de minhas peraltices na época em que vivi em Macaé. Os funcionários da garagem da Viação Macaense me flagraram brincando de motorista num dos ônibus e naturalmente me retiraram do local. Mas eu era criança e não compreendia ainda certas coisas. Então, voltei escondido e, para me vingar, roubei as chaves dos ônibus, o que provocou um caos na rodoviária e na Viação Macaense.

As crianças precisam ser orientadas por seus pais e tutores em suas escolhas, por que ainda não estão prontas. Fazer escolhas de maneira acertada é um aprendizado para a vida toda. À medida que cresce, a criança vai tomando cada vez mais em suas mãos o seu destino, a possibilidade de fazer suas escolhas livremente sem ser tutoradas. Claro que isso depende do acerto de nossas escolhas, pois mesmo na vida adulta, quando escolhemos errado, a sociedade dispõe de mecanismos, como por exemplo, a prisão, para voltar a tutorar nossas escolhas.

Naquele dia todo mundo teve o horário atrasado por conta de minha travessura! Silvinho, que tinha o hábito de brincar comigo me jogando para o alto, ao chegar para o almoço, viu as chaves dos ônibus caírem do meu bolso! Imediatamente ele foi à garagem e as devolveu, para o alívio de todos.

Em outra oportunidade, fugi à noite para assistir ao espetáculo de um circo que só começava depois das 21 horas. Enfiei-me por debaixo da lona e fiquei deitado, assistindo ao espetáculo, até que senti alguém me puxar pelos pés! Pensei ser o dono do Circo que tinha me descoberto, mas era Silvinho, que tinha conseguido me achar depois de uma longa e preocupante busca pela cidade.

Silvinho era uma dessas pessoas especiais, muito trabalhador, sempre risonho, gostava de brincar comigo. Mesmo com todas as confusões que aprontei, nunca foi violento comigo! Quem me castigava era Mércia, sua esposa e minha irmã de criação. Geralmente me proibia de sair, ou de andar de bicicleta, ou me obrigava a varrer o enorme quintal da casa onde morávamos, nada que se comparasse com a brutalidade de meu pai que, por qualquer motivo, me surrava de cinto.

Meu pai continuava pressionando o casal João Couto, agora no Juizado de Menores, por que queria pegar a mim e ao meu irmão de volta, para colocar na venda de doces. O Juiz determinou que voltássemos a morar novamente com meu pai. Desta vez, para que eu não voltasse mais a fugir, ele se mudou para o Rio de Grande Sul. Era o ano de 1968, e fomos morar numa cidade conhecida por Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre, onde minha irmã Cléia ficou morando até hoje e onde nasceram seus filhos, minha sobrinha Dini, e meus sobrinhos gêmeos, Rafael e Daniel.

Eu tinha mãe! E era viva!











“Não seja escravo do seu passado. Busque novos oceanos, mergulhe fundo, nade para longe da praia. Quando voltar, estará livre de frustrações, carregando um poder que desconhecia. Isso o fará olhar além das montanhas do medo, em direção a um novo presente.” - Ralph W. Emerson


Um dia, em nossa casa em Alvorada, no Rio Grande do Sul, meu pai ainda era vivo e eu tinha uns 13 anos, apareceu uma mulher baixinha, com uma perna bem mais fina e menor que a outra, assustada com a possibilidade de meu pai voltar enquanto ela estivesse ali. Apresentou-se como minha mãe, que até aquele instante eu imaginava morta!

Minha primeira atitude foi de surpresa e depois uma mistura de incredulidade e revolta. Sentia-me enganado não só por meu pai ter mentido o tempo todo, mas também pela minha mãe, que eu julgava não ter nos procurado antes.

Sempre que se referia a minha mãe, o pai não poupava críticas. Dizia que não ‘prestava’, que era uma ‘prostituta que tinha tirado da zona’, e outras palavras grosseiras para encerrar de vez o assunto e evitar que continuássemos perguntando. Cresci com a informação de meu pai de que a mãe tinha morrido queimada na fatalidade de um incêndio, provocado por um curto-circuito no armazém que tiveram juntos.

Lembro que, na escola, quando criança, era obrigado a fazer trabalhos valendo nota para o ‘Dia das Mães’ e entregava à professora, que assumia o ‘papel de mãe’! Quantas vezes acordei com pesadelos, quando criança, com minha mãe gritando por socorro no meio do fogo!

A visita de minha mãe durou pouco, tempo suficiente para ela contar a sua versão da história. Disse que o pai sim é que ‘não prestava’ e que havia nos roubado dela e fugido, depois de tocar fogo no armazém que tinham, na tentativa de receber o seguro. Contou que, mesmo grávida, nos procurou por todo o canto, e que ‘chorou lágrimas de sangue’ (a expressão que usou) a perda de nós três, ficando apenas com estas fotos, que guardava na carteira como lembrança.

Ela disse que o pai agiu daquela maneira após retornar de uma viagem de alguns meses a trabalho, e encontrá-la grávida e, pelos cálculos dele, não teria dado tempo para que fosse ele o pai. Sentindo-se traído, a briga foi inevitável e colocou fogo no armazém. Enquanto minha mãe buscava abrigo em outro lugar para se proteger, ele fugiu do Rio Grande do Sul, para Brasília, levando os três filhos pequenos com ele. Essa foi a história que ela contou, entretanto, não confere com os fatos, pois minha irmã, Sheila Cristina, é nascida em Brasília, no mesmo período em que eu e meus irmãos vivíamos lá, apenas com o pai. Teriam meu pai e minha mãe divididos os filhos entre eles? Teriam convivido também em Brasília, onde nasceu a Sheila? Não temos mais como saber. O fato é que meu pai ficou com três filhos, eu, César e Cléia, e a mãe com o Tarcísio e a Sheila. Mais tarde, a mãe teve mais três filhos, de pais diferentes, a Fernanda, que faleceu vítima de atropelamento, aos nove anos, a Daiana e o Luiz Alberto.

Minha mãe mostrou então a foto de meu novo irmão, de nome Tarcísio, e que não sabemos o paradeiro, e a Sheila, mais nova que ele.

Depois desta rápida visita de minha mãe, nunca mais voltei a vê-la e, apesar de tentar encontrá-la, através de catálogos de telefones, não fazia a menor idéia nem mesmo em que cidade procurar. Talvez por medo que o pai a encontrasse, não deixou nenhum endereço! Depois de um tempo procurando, desisti, por que pensei que se eu não tinha o endereço dela, nem como fazer contato, ela tinha o meu endereço, e faria contato comigo, se quisesse.

Soube depois, pelo meu irmão César, que ela retornou ainda umas duas vezes à casa do meu pai, e que eles brigaram. Da primeira vez, minha mãe atirou uma pá contra o pai, e na segunda, uma enxada. Com este grau de animosidade entre eles, realmente, não tínhamos a menor chance de viver numa família estruturada. A tendência foi o afastamento, e a mãe desapareceu novamente. Nesta época, eu não morava mais com o pai, pois estava internado no Juizado de Menores, onde nunca recebi a visita nem de meu pai, nem de minha mãe!

Só em 2005, voltei a ter notícias de minha mãe, graças ao Orkut e ao meu irmão mais novo, Luiz Alberto, que vim a conhecer através da internet. Chefe de escoteiros e segurança por profissão, meu irmão Luis Alberto é também um apaixonado pela natureza, como também era meu irmão Fernando, por parte de pai!

Soube então que minha mãe havia conseguido mudar o próprio nome trocando o Demamam pelo nome de solteira de sua mãe. Como procurava nos catálogos telefônicos por Síria Marina Demamam, realmente não conseguiria encontrar, pois o nome dela passou a ser Síria Marina Bombardieri.

E soube também que uns dois anos antes, ela tinha morrido, vítima de um atropelamento no ponto do ônibus. Chovia muito, e o veículo não conseguiu parar ao derrapar no asfalto molhado. Ironicamente, no mesmo local onde também morreu atropelada minha irmã Fernanda, com apenas 9 anos de idade. Nos seus últimos anos, minha mãe vivia na companhia do meu irmão Luis Alberto, pois as duas filhas Sheila e Daiana já estavam casadas.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Tempo de construir muros em vez de pontes







“Enquanto não tiveres conhecido o inferno, o paraíso não será bastante bom para ti.” (provérbio curdo)


Os confrontos com meu pai se aprofundaram à medida que eu crescia. Nunca me conformei com sua agressividade e, à medida que fiquei maior, passei a enfrentá-lo. Às vésperas de completar 15 anos, em 1970, durante mais uma das tentativas do pai em me agredir com um cabo de vassoura, eu o enfrentei e tomei a madeira da mão dele e, nisso, ele acabou se machucando, quebrando os óculos e se ferindo. Então, levou-me até a Delegacia de Polícia e disse que não podia mais ficar comigo. Como eu também não queria mais ficar com ele, não achei ruim. Então, o Delegado me encaminhou ao Juizado de Menores e fui levado como se fosse bandido perigoso em camburão da polícia para a antiga FEBEM-RS (Fundação do Bem-Estar do Menor do Rio Grande do Sul), e extinta em 2002, em parte devido à campanha do Jornal Zero Hora que denominava o local de “Casa de Horrores”. Tratava-se de uma “unidade de contenção máxima” para menores, sem distinguir entre infratores e abandonados, na verdade, um presídio para menores, a grande maioria negra e a maioria absoluta pobre, localizado no Morro de Santa Tereza, em Porto Alegre. Meu aniversário de 15 anos foi passado na solitária, aonde voltei no meu aniversário de 51 anos, para rever (foto por Leonardo Berna).

Na FEBEM-RS era adotado o regime de confinamento por qualquer motivo, ainda que fútil. A solitária, entretanto, era meu lugar preferido pois recebia livros trazidos pelas assistentes sociais. Lia vários ao mesmo tempo, às vezes na média de um por dia! Não tinha mais que vender sonhos ou me defender de meu pai. E podia relaxar, ao contrário de quando estava no pátio junto com os outros menores, onde precisava ficar alerta para não ser agredido, um estado de estresse permanente.

“Ler é transcender, é possibilitar, é ir além do nosso por vezes cruel mundo imediato – tantas e tantas vezes nos abrigamos no confronto acolhedor da leitura quando estamos amuados ou pesarosos. Ler é abrir janelas, destramelar portas, enxergar com outros olhares, estabelecer novas conexões, construir pontes que ligam o que somos com o que outros, tantos outros, imaginaram, pensaram, escreveram. Ler é fazer-nos expandidos. Quando falamos de livro e leitura falamos, portanto, de expansões e de potencialidades.” - Gilberto Gil


As assistentes sociais e psicólogas achavam curioso um menor tão erudito, com uma conversa tão sofisticada e filosófica! Chegavam a vir discutir trabalhos de faculdade comigo! Eu lia de tudo, romance, poesia, mas gostava mesmo era de filosofia, psicologia, sociologia, religião, biografias, enciclopédias e até a Bíblia! Quando um autor citava outro, eu anotava o livro citado e pedia que me trouxessem. O livros eram para mim como os amigos que eu não tinha na prisão! Consegui também que me dessem caderno e caneta e passei a escrever intensamente como uma forma de arrumar e mesmo esvaziar o pensamento, de dialogar comigo mesmo, de me recolher ao meu mundo interior.

“A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.” - Fernando Pessoa


O tempo que passei na solitária me ensinou a gostar da minha companhia e a ser o meu melhor amigo. Não me sentia sozinho, por que tinha os meus ‘amigos espirituais’, os autores dos muitos livros que lia. Eles me faziam viajar, conhecer outros lugares, outros olhares. Conversava com eles, me inspirava neles. Então, durante um tempo em minha vida preferi construir muros em vez de pontes, para deliberadamente deixar de fora da minha vida um mundo que não era o meu, do qual não me sentia parte. Apesar de meu corpo estar prisioneiro, minha alma era livre! Nesta época, tive acesso a um texto de William Shakespeare que foi muito importante para mim desde então:

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.
E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança.
E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.
E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.
E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.
E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...
E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.
Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobre que se levam anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.
Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.
E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida.
E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.
Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.
Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vemos.
Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, e nós somos responsáveis por nós mesmos.
Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que se pode ser.
Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser e que o tempo é curto.
Aprende que não importa onde já chegou, mas aonde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.
Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.
Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.
Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.
Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas, do que quantos aniversários você celebrou.
Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.
Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.
Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel.
Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar a você mesmo.
Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.
Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.
Você aprende que realmente pode suportar porque realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!
Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar...


Neste época comecei a escrever, a caneta, intensamente em cadernos uma espécie de diário, registrando meus comentários e reflexões sobre o que estava lendo, como se dialogasse com o autor do livro. Não tinha nenhuma idéia de que aquele conjunto de textos daria origem mais tarde aos meus livros É Possível Ser Feliz e O Desafio do Mar.

“As mais belas vitórias são as que alcançamos sobre nós mesmos”.- Chamfort


A FEBEM ficava no alto do Morro de Santa Tereza, em Porto Alegre (RS), de onde podia contemplar os pôres-de-sol no Rio Guaíba. A observação destes belíssimos entardeceres me reconfortava a alma!

Como o número de funcionários não era suficiente, e também não haviam oficinas de trabalho para todos, muito menos escola, os menores, muitos com assassinatos, roubos a mão armada, tráfico, ficavam à toa, no pátio, ocupando o tempo em evitar serem agredido ou em agredir. Os guardas pouco intervinham e, quando o faziam - talvez por terem de lidar com um grande número de menores sem ter estrutura, talvez por vivermos numa Ditadura Militar, onde a violência substituía o diálogo -, agiam com violência e recolhiam os mais rebeldes para a solitária.

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” - Bertold Brecht


Então, deliberadamente eu cometia pequenas infrações para retornar à solitária, o que quase sempre conseguia, mas não sem antes apanhar dos guardas! Aprendi que se deixasse a mão descer junto com a palmatória, ela não doía tanto, mas não funcionava com o Guarda Euzébio, que era especialmente perverso e parecia sentir prazer em bater nos menores.

Um dia, no plantão dele, um menor furou a fila do café da manhã bem na minha frente. Sem pensar nas conseqüências, empurrei-o com força e ele caiu no chão. Euzébio viu e quem apanhou fui eu. Com ele não funcionava o macete de abaixar a mão, por que se eu fizesse isso ele batia com o cacetete na cabeça. Jurei que iria matá-lo, mostrando o quanto a raiva pode ser má conselheira e responsável por muitos crimes que poderiam ter sido evitados.

“Você quer ser feliz por um instante? Vingue-se! Você quer ser feliz para sempre? PERDOE!” – Tertuliano


Por exemplo, ao sofrer uma injustiça, podemos escolher nos vingar ou perdoar, e isso fará toda a diferença. Claro, não significa que devemos conviver com as injustiças, pois, segundo Martin Luther King, “perdoar não significa ignorar o que foi feito ou colar uma etiqueta falsa sobre um mau ato. Significa, antes, que esse ato mau cesse de ser obstáculo às relações”.

Anos depois encontrei o Guarda Euzébio por um acaso, passeando no Parque da Redenção, onde teria a chance de atacá-lo e fugir, e escolhi não fazer nada. A raiva tinha passado. Descobri então que nem sempre o que eu desejava podia ser bom para mim, e agradeci por não ter sido atendido naquele momento!

Quando meu pai também entregou meu irmão César na Delegacia e ele foi parar na FEBEM onde eu já estava, consegui protege-lo. Passei a ser procurado por menores que me pediam proteção e queriam fazer parte do meu ‘bando’! Outros me procuravam para trocar drogas por roupa ou dinheiro, mas eu não tinha nem uma coisa nem outra e recusava o uso de drogas. Os poucos anos que vivi com aquela família de Mãe Hogla e Papai João Couto me deram os valores morais para recusar até mesmo o uso de cigarro ou álcool, que dirá drogas pesadas como as que circulavam livremente entre os menores na FEBEM!

Todos os domingos eram dias de visita. Mesmo os piores bandidos recebiam a visita geralmente da mãe, ou de irmãos, ou outros parentes que traziam doces, sanduíches, cigarro, dinheiro. Quando terminavam as visitas, e os menores voltavam com as sacolas cheias de doces, sanduíches, cigarros, roupas e calçados novos, e até dinheiro, eu ficava por perto, e sempre ganhava alguma coisa me aproveitando da lógica do bando, ao sugerir que se me dessem alguma coisa eu os protegeria.

Eu nunca recebi a visita de ninguém! Até a visita do meu pai seria bem vinda, mas ele nunca foi me visitar! Muito menos a minha mãe, que tinha conhecimento da situação, pois enquanto estive preso, fez novas visitas à casa onde moravam meus irmãos César e Cléia, e naturalmente ficou sabendo onde eu estava.

“No início, os filhos amam os pais. Depois de um certo tempo, passam a julgá-los. Raramente ou quase nunca os perdoam.” - Oscar Wilde


Depois que tive meus próprios filhos, perdoei meu pai. Compreendi que ele deu a mim o que podia dar e imagino que sua infância também deve ter sida dura, pois aparentemente reproduziu com os filhos o que provavelmente fizeram com ele.

Meu pai morreu aos 75 anos de idade de ataque cardíaco fulminante, e depois de passar cinco anos do final de sua vida lutando com um câncer provocado pela nicotina. Perdeu as cordas vocais e um pulmão, e ainda assim seguiu fumando pelo buraco que os médicos deixaram em sua laringe para que respirasse. Não o vi mais, desde aquele dia que me deixou na Delegacia de Polícia.

Violência






"Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como um oceano. Só porque existem algumas gotas de água suja nele, não quer dizer que ele esteja sujo por completo. " - Gandhi


Li uma história, não lembro mais o autor, e que foi muito inspiradora para que eu compreendesse que o mal não era a ausência do bem, mas uma escolha consciente ou inconsciente. Um dia perguntaram a um sábio como ele lidava com os seus conflitos internos e respondeu que dentro dele existiam dois cachorros, um muito mau, uma fera, e outro muito bom e gentil e que ambos viviam brigando entre si. Quanto perguntaram quem ganhava a briga ele respondeu, aquele que eu alimentar. O problema nessa história é que de uma certa forma procura inocentar o tomador de decisão, como se as maldades fossem resultado de uma terceira pessoa, ou no caso, do cão feroz, ou do diabo!

“Não são as ervas más que afogam a boa semente, e sim a negligência do lavrador.” - Confúcio


Lembro do ‘Maníaco do Parque’ que após matar dezenas de moças e finalmente ser pego, afirmou candidamente que ‘na hora, me deu uma coisa que não sei o que foi, acho que eu estava incorporado do demônio’. Uma tentativa em justificar-se perante si próprio ou para pessoas a quem não gostaria de ter magoado, de que no fundo é uma boa pessoa e não pode ser responsabilizado pelas escolhas e decisões erradas que tomou, por que foi ‘influenciado pelo demônio’. Conversa fiada! Não existem nem deuses nem demônios, nem cãos mansos ou ferozes dentro de nós! O que existe somos nós, e nossa capacidade de escolher fazer o bem ou o mal.

"No Oriente, uma pessoa virtuosa não é aquela que busca concretizar a tarefa impossível de lutar pelo bem e eliminar o mal, mas, sim, aquela que se mostra capaz de manter um equilíbrio dinâmico entre o bem e o mal". - Fritjof Capra


Na FEBEM, as circunstâncias que me foram impostas me obrigavam a escolher ser feroz em vez de ser manso, ou seria mais um a engrossar as estatísticas dos menores vítimas da violência dos demais. A tensão era permanente entre eles, principalmente no pátio, onde viviam de certa forma como cães de briga, rosnando uns para os outros, ou tramando crimes para quando fugissem dali. A própria Polícia Militar, em relatório reservado, afirmava tratar-se de um “berçário de formação de quadrilhas”. Procurava me manter longe dessas brigas e tensões e escolhi ficar independente. Entretanto, na lógica deles, não havia lugar para independentes. Ou você era ‘vencedor’ e se juntava a ‘vencedores’, ou você era ‘perdedor’ e seria abusado sexualmente e massacrado pelos mais fortes. Com Thomas Fuller aprendi que seria “loucura para o carneiro promover uma conferência de paz com o lobo.” Para me defender eu tinha de brigar e por isso vivia sendo ‘castigado’ com a solitária, o que na lógica dos menores me dava um certo status de forte, valente, vencedor e não de frágil ou perdedor. O pátio tinha o tamanho de um campo de futebol onde aglomeravam-se cerca de 300 menores que se ‘organizavam’ em bandos e sempre seguiam um líder. O equilíbrio de forças entre os bandos era quebrado uma vez ou outra por brigas entre eles, para ajustar as forças.

O mal tinha muitos nomes, um deles era indiferença. Alimentava o mal ao escolher não intervir quando via um menor mais fraco sofrendo crueldade por parte de outros. Existe um provérbio árabe que diz que quando queremos fazer alguma coisa, sempre arranjamos um jeito de fazer e, quando não queremos, sempe arranjamos uma desculpa. A minha desculpa para não agir era considerar que aquele não era um problema meu, que existiam guardas para cuidar do assunto e que cada um tinha de saber se virar, e virava as costas ao problema. Entretanto, a minha covardia passou a me incomodar por que para me manter indiferente eu também tinha de me tornar uma pessoa fria e insensível diante do sofrimento alheio. Então, mesmo correndo riscos, passei a defender outros menores. Certa vez, durante o banho, enfrentei dois menores mais fortes que eu que tentavam abusar sexualmente de uma criança, que devia ter uns 8 ou 9 anos de idade. Acabei apanhando por que é muito difícil lutar nu e com o corpo molhado. O barulho atraiu a atenção dos guardas que interviram rapidamente, e assim consegui escapar, claro, sendo levado para a solitária por mais trinta dias. A criança escapou, pelo menos desta vez. E ganhei a inimizade dos dois, principalmente por que foram descobertos, e passaram a me acusar de ser um ‘caguete na sugesta’, ou seja, eu não caguetava diretamente, mas, ao passar a intervir, gerava barulho e criava confusão que atraia a atenção dos guardas. Felizmente, a acusação não teve maiores conseqüências, mas poderia ter tido, pois imperava entre os menores a Lei do Silêncio onde você podia fazer ou ser vítima de qualquer violência ou barbaridade, só não podia cometer o imperdoável erro de delatar, seja por que motivo fosse, ou a pena poderia ser até a morte! Existia uma ala na FEBEM chamada de ‘seguro’, só para estes menores ameaçados!

As assistentes sociais e psicólogas não conseguiam compreender como um menor podia ser tão inteligente e erudito num momento, e tão ‘desajustado’ e violento em outro. Lembro de outra briga com um menor cujo apelido era Carnaval, um líder respeitado por todos e bem mais forte que eu. Não lembro mais o motivo da briga, mas lembro das conseqüências. Por sorte, um de meus socos o atingiu no supercílio e ele desmaiou. O soco foi tão forte que quebrei a mão! Os guardas me recolheram novamente à solitária e minha mão teve de curar sozinha. Depois disso, passei a ser respeitado entre os menores. Carnaval jurou que me mataria na primeira oportunidade, e eu passei a evitá-lo. O fato é que nunca mais ele me enfrentou e também nunca mais o vi depois que saí da FEBEM.

Hoje, quando vejo pessoas de bem flagradas cometendo crimes, como religiosos envolvidos com pedofilia, policiais e políticos envolvidos com corrupção, e mesmo pessoas comuns, pacíficas a vida inteira, mas que explodem de uma hora para a outra cometendo crimes às vezes bárbaros que resultam na morte de um motorista que os tenha fechado no trânsito, por exemplo, lembro da história do cachorro bom e do cachorro mal. Somos pessoas de bem, honestas, solidárias, pacíficas, gentis, por que alimentamos escolhas do bem, mas não devemos nunca descuidar pois dentro de nós existe a capacidade de também escolher o mal. Ninguém está a salvo, nem o mais santo dos religiosos, nem o mais honesto dos policiais ou a mais alta autoridade. E este mal tem nome e seu nome é ‘legião’ pois são muitos! É a indiferença, a frieza, a ganância, o egoísmo, a falta de gentileza, a arrogância, a covardia, a preguiça, a gula, a hipocrisia, a mentira, etc. Minha passagem pela FEBEM me permitiu aprender esta lição e não me iludo mais achando que se escolher sempre o bem afastarei de mim a possibilidade de escolher o mal. Minha capacidade de escolher o mal pode estar enfraquecida por que não a alimento mais e por que cultivo valores do bem, mas é uma capacidade em potencial, faminta por minha atenção e por minhas escolhas, e o preço de eu permanecer seguro no caminho das boas escolhas é a permanente vigilância e a busca da clareza sobre minhas alternativas e possibilidades, meus sonhos e propósitos, jamais cometendo o erro de deixar que minhas decisões me ‘carreguem’, ou escolher não escolher, por que aí outros estarão escolhendo em meu lugar, mas os ônus dessas escolhas recairão sobre mim!

‘33’





“O presente não devolve o troco do passado, sofrimento não é amargura, tristeza não é pecado, lugar de ser feliz não é o supermercado” - Zeca Baleiro


Por volta dos dezessete anos, fui transferido para o Novo Lar de Menores, em Viamão (RS), uma instituição mantida por Padres católicos para menores carentes e infratores. Não queria ser transferido, a não ser que meu irmão fosse junto, o que me prometeram fazer logo em seguida, pois dependiam de vaga.

Ganhei o número 33, que aparecia nas roupas, armário, cama. Meu próprio nome passou a ser 33! No início, me rebelei contra isso, e fazia de conta que não ouvia enquanto não me chamassem pelo meu nome. Com o tempo, acabei me acostumando a ser 33. Aprendi o ofício de tipógrafo e revisor gráfico, por que já lia muito bem e tinha facilidade em descobrir erros nos textos. Alguns meses depois, meu irmão César se juntou a mim, e também consegui que ficasse na gráfica, comigo. César especializou-se em impressão gráfica, e até hoje vive da profissão, com a ajuda de sua família, a esposa Cláudia e meus sobrinhos Bruno e Júnior! A gráfica que fundou em Macaé, a Sulimpress, já passou dos 30 anos de existência!

A árvore, na entrada do Novo Lar de Menores, em Viamão (RS), faz parte da história do meu livro “Parábola da Felicidade”, onde coloco na história de quatro personagens mitos que fazem as pessoas correrem às tontas atrás da felicidade, como dinheiro, fama, beleza, amor. Neste livro, conto sobre quatro jovens que queriam ser felizes e sobre um momento mágico que permitiu que encontrassem o que desejavam, até que descobriram que a felicidade não dependia em nada daquilo que buscavam por que ela sempre esteve ali mesmo, ao alcance da mão. Esta árvore inspirou-me quando precisei pensar em alguma coisa mágica para ilustrar minha história.

Alguns meses antes de completar dezoito anos, fui transferido para uma Casa Lar, em Porto Alegre, e passei a trabalhar como Office-boy no Motel Clube dos Militares. Na semana em que ia completar 18 anos, e ser desligado do Juizado de Menores, encontrei por acaso na rua um grupo de antigos ex-internos da FEBEM que planejavam assaltar um banco! Convidaram-me para participar, sob diversos argumentos, primeiro o de demonstrar coragem, e o segundo da certeza da impunidade, pois já tinham tudo arranjado e até contavam com a cumplicidade de um dos seguranças do próprio banco. Ou seja, argumentavam que seria fácil entrar na madrugada pelo esgoto e sair com dinheiro suficiente para fazermos o que quiséssemos da vida! Pedi a eles um dia para pensar e nunca mais os procurei. Poderia ter cedido, seja pela perspectiva do ganho financeiro ou para demonstrar ‘coragem’! Lembrei do que Ghandi disse, que “é preferível mil vezes afrontar o mundo estando de acordo com a sua consciência a afrontar a sua consciência para ser agradável ao mundo. Tudo está bem com você, mesmo que tudo pareça estar completamente errado, se tem paz interior. Inversamente, tudo está errado com você, mesmo que exteriormente tudo pareça estar bem, se não está em paz com sua consciência”. Percebi que não poderia continuar vivendo no Rio Grande do Sul, pois corria o risco de continuar esbarrando com estes antigos ex-internos, agora já adultos e que escolheram permanecer no caminho do crime, e até acabar sendo confundido com eles, caso estivessem sendo vigiados! Quanto ao dinheiro que poderia ganhar, não me encheu os olhos, como não me enche até hoje. Lembro das palavras de George Horace Lorimer de que “é bom ter dinheiro e as coisas que o dinheiro pode comprar. Mas é bom também verificar de vez em quando se não estamos perdendo as coisas que o dinheiro não pode comprar.” De maneira alguma poderia perder novamente a minha liberdade!

Nesta época, descobri o poema Instantes, de Jorge Luiz Borges, que foi decisivo naquele momento de minha vida, para saber o de fato merecia ser valorizado:

“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima, trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, mais rios.
Iria a mais lugares aonde nunca fui, tomaria mais sorvetes e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria, mas, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos; não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.”


Não tive nenhuma dúvida, principalmente após ler em Disraelli que a vida é muito curta para ser pequena. Pedi demissão do emprego e, com o dinheiro da rescisão, comprei a passagem e voltei de ônibus para Niterói.

Ao chegar, busquei abrigo com a família de Mãe Hogla e Papai João Couto, e cheguei a morar com eles por alguns meses. Receberam-me com alegria, como sempre. Conseguiram com o Pastor Alberto Lessa, da Igreja Batista de Neves, uma vaga à noite na escola da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), em São Gonçalo, no bairro Pita, para que eu concluísse o antigo primeiro grau. Na escola, logo passei a me destacar em várias atividades extraclasse. Fundei o jornal ‘O Corujão’, onde eu era repórter, redator, editor, impressor (em mimeógrafo) e distribuidor.

Esta experiência estimulou-me a ingressar no jornalismo, colaborando como voluntário, e escrevendo sobre democracia, cidadania e comunicação, desde 1976, no Jornal “A Palavra” do Jornalista Tácito Tani que em seguida, convidou-me a compor a chapa que disputou a eleição para o Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro, onde fiz parte da Diretoria por três legislaturas, um cargo voluntário, não remunerado. Fundei, no sindicato, o primeiro núcleo de repórteres fotográficos e o primeiro núcleo de jornalismo ambiental no Estado do Rio de Janeiro e ajudei na moralização do quadro de associados.

Também ingressei no grupo de teatro da Escola, que era coordenado pela Professora Sônia, onde interpretei o papel principal de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, Juca Mulato, de Menotti Del Picchia, e Vida e Morte Severina, de João Cabral de Melo Neto.

Durante o dia, procurava emprego, mas ninguém queria contratar um jovem que ainda dependia de cumprir o serviço militar. Luis, marido de Marísia, uma das filhas do casal João Couto, conseguiu-me um estágio remunerado como auxiliar de modelador de calçados numa fábrica, em São Gonçalo (RJ), onde chequei a desenhar alguns modelos. Entretanto, para o desgosto do Luis, que se empenhara para me conseguir aquele lugar, não me adaptei ao barulho ensurdecedor das máquinas de lixar couro, ao cheiro forte das tintas, ao calor insuportável das telhas de amianto, à poeira constante no ar do couro lixado, e acabei deixando o estágio. Esta minha decisão deixou a família irritada comigo, como se eu fosse malandro e não quisesse trabalhar.

Além disso, a casa era pequena, e a família grande, e por mais boa vontade que tivessem comigo, e tinham, eu já não era mais aquele garotinho que eles conheceram no passado. Cabeludo, parecendo um hippie, com idéias próprias, e, agora que pedira demissão, também malandro...

Como estava cada vez mais próximo do dia de me apresentar para cumprir o Serviço Militar obrigatório, via uma oportunidade de ter moradia, alimento e ainda um soldo. Então, decidi deixar a casa, pois sentia que estava importunando a família. Disse a eles que iria acampar, atividade que adorava fazer. Arrumei minhas poucas coisas na mochila, me despedi de todos, e nunca mais voltei.

Por uns tempos, dormi nas ruas mesmo, em carros abandonados. Pedia dinheiro dizendo que era para procurar emprego, mas era para comer mesmo. Por isso, hoje, quando sou abordado por pedintes, ajudo sempre, assim como me ajudaram um dia também, e nem por isso virei mendigo.

Consegui então um emprego de guardador de automóveis na antiga CODERTE e por uns dois meses trabalhei na Avenida Amaral Peixoto, a principal de Niterói. Com o pouco dinheiro que ganhava, aluguei uma cama numa pensão para rapazes, e comprei uma bicicleta por que não tinha dinheiro para pagar a passagem. Mas ficava pouco tempo nos empregos, pois não conseguia me ajustar a ser guardador de carros ou office boy.

Confundido com terrorista



"Viver é correr risco." - Stephane Peter Hansel


Como não tinha onde morar, ingressar no serviço militar parecia-me uma boa opção, pois ganharia casa, comida, roupa. Hoje, isso seria impossível. Atualmente, o Exército tem iniciado o expediente às segundas-feiras, a partir das 13 horas e encerra às 18 horas, sem refeições, e não tem ‘rancho’ na sexta, sábado e domingo! O jornalista Alexandre Garcia denunciou o fato que desde os anos 80 as forças armadas vêm sendo sucateadas, enquanto muitos vizinhos se armam e alerta que a melhor maneira de derrotar um exército, sem precisar dar um tiro, é cortar-lhe os suprimentos. “Saladino derrotou assim os cruzados cristãos; a Rússia derrotou Napoleão e Hitler porque faltaram suprimentos aos invasores. Nas Malvinas, os ingleses cortaram os suprimentos da ilha.”

Eu tinha a possibilidade de ficar como sobra de contingente e não servir, pois um professor na escola onde estudei era sargento naquela unidade e estava na hora do meu recrutamento. Ele sugeriu me dispensar, mas, meio constrangido, disse que preferia servir, e fui classificado como voluntário. Ele não conhecia a minha história e dificuldades, e ficou sem entender a minha decisão e eu tinha vergonha de dizer a ele que era por que não tinha onde morar, não tinha emprego, e passava fome... Assim, passei a morar no Quartel do 30º Grupo de Artilharia, no Barreto, em Niterói (RJ), onde fui designado para o setor de comunicações, na Bateria de Comando. Era conhecido como ‘percevejo’, alusivo aqueles alfinetes que ficam grudados no quadro verde.

Como desenhava muito bem, o Comandante deu-me a missão de desenhar a logomarca do Batalhão nas guaritas do Quartel, o que fiz com capricho, por que era a chance de não me darem outras tarefas, assim, procurei demorar-me ao máximo desenhando e pintando a granada símbolo da artilharia em cada guarita externa.

Servi em 1975. Apesar de certo abrandamento da censura à imprensa, neste ano ocorreram inúmeras prisões de cidadãos considerados ‘subversivos’. O jornalista Vladimir Herzog foi morto neste ano, sob tortura, nas dependências do DOI-CODI de São Paulo. No Quartel, os instrutores faziam uma verdadeira lavagem cerebral nos jovens recrutas alertando sobre os perigos dos ‘inimigos da democracia’, os subversivos e terroristas, a necessidade de sermos firmes e patriotas para defender o Brasil dos comunistas! Diziam-nos para desconfiar até de velhinhas e crianças, de mães chorosas por seus filhos, pois todos podiam estar sendo ‘massa de manobra’ de terroristas!

Durante uma madrugada de domingo, eu dormia, sozinho no alojamento, quando fui acordado pelo próprio Comandante de minha unidade! Aquilo não era comum, entretanto, a regra era de que ‘soldado no quartel quer serviço’, então, à primeira vista, achei que era alguma tarefa que iriam me dar. Levantei meio assustado, lavei o rosto rapidamente e vesti a farda e me apresentei. Ao comparecer ao gabinete, um susto. O conteúdo do meu armário, os livros que eu lia e minhas anotações sobre trechos que destacava, estava empilhado na mesa do comandante.

Ele foi direto ao ponto, perguntou se eu era comunista, e o que aqueles livros de comunistas estavam fazendo em meu armário! Nervoso, tentei explicar que os livros não eram meus, mas pertenciam à Biblioteca Pública Estadual e, por serem livros de empréstimo a qualquer um, achei que não tinha nada de mais em também pedir emprestado. E como não tinha onde morar, o único jeito era trazer para o quartel e guardar em meu armário! Sobre os motivos, expliquei que gostava muito de ler e que fiquei curioso sobre o que motivava os comunistas, com que tipo de gente estaríamos lidando! Disse que queria saber como pensava o ‘inimigo’ para poder combatê-lo melhor.

O Comandante então começou a ler alguns de meus comentários em voz alta para mostrar que minha justificativa podia ser falsa, pois não eram comentários de quem analisa um ‘inimigo’, mas de quem, quer ou busca se associar ao ‘inimigo’. Entre os livros, o Comandante leu um trecho que transcrevi para um papel:

“Com o predomínio sempre crescente da população urbana, acumulada em grandes centros, a produção capitalista concentra, por um lado, a força motriz histórica da sociedade, mas, por outro, dificulta o intercâmbio entre o ser humano e a natureza, isto é, o regresso à terra dos elementos do solo gastos pelo homem na forma de meios de alimentação e vestuário, ou seja, perturba a eterna condição natural de uma fecundidade duradoura da terra”. – Marx, O Capital

O Comandante me disse que eu estava preso, a partir daquele momento, e fui recolhido à prisão no próprio Quartel. Curioso isso, enquanto alguns livros me libertavam, outros me prendiam! O Comandante disse que eu deveria aguardar preso pela decisão do Comando Maior! Imaginei que seria torturado e poderia mesmo ser assassinado, como aconteceu com Herzog, e temi pelo meu futuro! Lembrava também do líder guerrilheiro Carlos Lamarca, dirigente da extinta Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um ex-capitão que desertou do Exército para abraçar as causas revolucionárias, e acabou morto, uns quatro anos antes, metralhado após ser caçado no sertão nordestino.

Não sei o aconteceu, que decisão tomaram, mas o fato é que logo depois me deixaram sair da prisão e fiquei ainda algum tempo, com a sensação de estar sendo vigiado, e logo veio a primeira baixa, na qual fui incluído. Senti-me aliviado. Entretanto, durante algum tempo ainda fiquei com a sensação de estar sendo seguido. E tenho quase certeza de que realmente fui seguido, pois conhecia os militares do serviço secreto do Exército, que trabalhavam infiltrados dentro dos movimentos sociais naquela época, e os vi duas ou três vezes por perto de mim, e aquilo não devia ser coincidência. Talvez não tivessem acreditado em mim, e achavam que mais cedo ou mais tarde eu os levaria ao meu ‘grupo de terroristas’! Depois de um tempo, acho que desistiram de mim, e passei a viver a minha vida sem medo de ser preso e torturado a qualquer instante.

Encontros e desencontros

Todo mundo aceita naturalmente que a matemática, por exemplo, de tão importante, deve ser aprendida na escola, com livros e cadernos sobre o assunto. Mas e o amor? Também é muito importante, mas ninguém nos ensina! Será que é porque acham que já nascemos sabendo amar? Se o amor é uma arte, como toda arte, ele exige teoria e prática. Em meus relacionamentos, aprendi sobre o amor que ele é importante para criar uma espécie de ponte entre diferentes personalidades. Para seduzir e manter o outro a quem amamos, precisamos aperfeiçoar o que há de melhor em nós, e não se consegue isso através da auto-anulação, mas do aperfeiçoamento de nossa própria individualidade.

"A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você" - Ralph Waldo Emerson


Também aprendi que não existe uma ‘pessoa certa para amar’. Sam Keen escreveu que "passamos a amar não quando encontramos uma pessoa perfeita, mas quando aprendemos a ver perfeitamente uma pessoa imperfeita". Príncipes encantados só existem em novelas e contos de fadas. Não existem seres humanos perfeitos. Assim como existem defeitos e virtudes em nós, também existem no outro a quem amamos. A fase de namoro, da paixão, permite-nos descobrir afinidades que farão valer a pena amar, investir no estabelecimento de vínculos permanentes, eterno enquanto dure, como escreveu nosso poeta Vinícius de Moraes.

Na fase de namoro, o jogo da sedução faz com que nos esforcemos para revelar ao outro o que temos de melhor em nós, mas é a convivência do dia-a-dia que nos irá revelar por inteiro. Não é possível representarmos um papel o tempo todo, só mostrando ao outro um lado de nós que julgamos mais bonito e melhor. Na fase da sedução exageramos nossos atributos, como um farol que lança luz sobre nossas virtudes e deixa os defeitos nas sombras. Neste sentido, o amor nos motiva, nos impulsiona a querer ser o melhor que pudermos. Por isso, amar é, sem dúvida, uma das experiências mais ricas que um ser humano pode ter.

Dificilmente nos apaixonamos pelos defeitos dos outros. Precisamos de sonho, de idealização, pois a realidade pode não ser suficientemente atraente e ao buscarmos um relacionamento queremos ser felizes, queremos viver uma situação que é diferente da situação real em que vivemos. Sem o romantismo, que idealiza o ser amado, talvez não tenhamos a energia e a disposição necessárias para romper com a inércia e então preferimos ficar sozinhos. Entretanto, romantismo demais pode atrapalhar, por exemplo, quando a pessoa idealiza com tão grande imaginação que se descola da realidade. Pessoas assim acabam se apaixonando pela idéia que fazem do outro e não pela pessoa de verdade. E é bem comum se decepcionarem quando, na convivência do dia-a-dia, se confrontam com o ser real. Pessoas românticas em excesso acham que o problema está nos outros, que não conseguem corresponder às suas idealizações.

“O amor começa quando uma pessoa se sente só e termina quando uma pessoa deseja estar só.” - Léon Tolstoi


Alguns defendem que o amor não acaba, mas se transforma, na melhor das hipóteses, em amizade, respeito, consideração, gratidão, amizade, ternura, afeto e, na pior, em indiferença, ódio, tédio, vazio, etc. Outros defendem que o amor acaba sim, como Felipe Machado, por que a vida é assim mesmo, imperfeita:

“Ao contrário do que dizem os poetas, amor acaba, sim. Não há nada de romântico nisso, apenas uma verdade pragmática e palpável. Quando o amor acaba, o monstro que estava escondido debaixo do tapete da sala acorda e domina rapidamente o apartamento. Frases que nunca deveriam ter sido sequer pensadas são pronunciadas com a determinação dos carrascos. Não se pode atravessar uma ponte que foi queimada; com as palavras acontece a mesma coisa. Agora os dois se olham e sabem que não têm mais o que fazer. Dentro deles há uma dor contínua, uma tristeza que sai pelos olhos. Os dois corações estão vazios, porque no lugar daquele amor todo agora não existe nada. E a vida segue assim, imperfeita.”


Entretanto, saber quando o amor acaba, ou se transforma em outra coisa, boa ou má, nunca é muito fácil, por que não é de uma hora para outra. O relacionamento começa a balançar entre bons e maus momentos, até que os maus momentos superam os bons, e aí os sinais vão ficando cada vez mais claros. Fica mais difícil ainda quando o amor acaba, se transforma, ou diminui para um, e o mesmo não ocorre com o outro.
Um dos sinais de que as coisas mudaram é quando não nos interessamos mais nem em contar sobre as novidades, e o que aconteceu em nosso dia a dia, e também não sentimos mais vontade em saber do outro, as novidades da vida dele. É um indicador de que você perdeu a vontade de compartilhar com o outro a sua vida, e que também não está mais interessado na vida do outro.

Outro sinal é quando a diversão acaba, e nem mesmo o lugar onde se está, que pode ser maravilhoso, é capaz de mudar a situação! Você não sente mais prazer em estar do lado do outro, não sente vontade de rir, de relaxar, se irrita por qualquer coisa, inicia ou dá força a brigas sem sentidos, que só servirão para afastar ainda mais o casal.

O sexo, geralmente confundido com amor, é usado como termômetro no relacionamento do casal, mas não deveria, pois sexo é uma necessidade física que pode continuar existindo mesmo depois que o relacionamento amoroso já acabou ou se transformou em outros sentimentos. Diferente de compartilhar com outro sua vida e experiências, uma necessidade espiritual. O sexo é importante num relacionamento amoroso e reforça os laços de intimidade e cumplicidade, mas não se deve exagerar o seu papel, pois diversos fatores podem influenciar na diminuição da libido que não necessariamente a falta de amor. Um simples estresse pode acabar com a vontade de fazer sexo, mesmo quando o casal está numa fase apaixonada! Por outro lado, existem pessoas que tem o sexo como vício, ou como profissão, é nem um caso nem o outro são indicativos de amor!

É deprimente e melancólico perceber que uma pessoa que você amou, com a qual conviveu e compartilhou tantos momentos, viagens, experiências, a criação dos filhos, já não o ama mais, ou que você já não a ama mais como antes. Você se sente impotente para mudar as coisas, por que não tem como mudar um sentimento. Amor, assim como a felicidade, não é algo que se compra na farmácia ou na prateleira do supermercado. Trata-se de um sentimento, e a gente não manda nos sentimentos. Podemos mudar a maneira de perceber as coisas, mudar a rotina, mudar as atitudes, mudar as palavras, mas se não houver mais amor, talvez seja tudo esforço inútil que apenas prolongará o sofrimento.

Se a primeira dificuldade é saber quando o amor acaba ou se transforma, a segunda é saber como acabar o relacionamento e, a terceira, é como superar o fim do relacionamento! Francesco Petrarca afirma que “as duas cartas de amor mais difíceis de escrever são a primeira e a última.” E William Shakespeare alerta que “guardar rancor é como beber veneno e ficar esperando que o outro morra”!

Hoje, procuro dar mais espaço para as minhas emoções sem precisar explicar tudo o que sinto, a não ser quando os sentimentos exigem uma explicação, pois o outro não tem de ser adivinho. Vivo um dia de cada vez, sem ansiedade pelo futuro que não domino nem sei como vai ser ou culpa por um passado que não posso mais mudar. Muito menos me sinto tão comprometido com o outro a ponto de valorizar mais os sentimentos do outro que os meus próprios sentimentos. Exercito diariamente ser mais flexível com o outro, pois são pessoas diferentes e o que deve importar não é o quanto um ou o outro tem razão, como se amar fosse uma competição para ver quem ganha, mas o quanto podemos ser felizes juntos. E, quando tenho de dizer o que o incomoda no outro, faço no momento oportuno e sempre com ternura e palavras mansas, pois o objetivo não é ter razão, mas manter a felicidade da relação. Confio na capacidade do outro em se proteger emocionalmente até mesmo de mim, afinal, quando um não quer dois não brigam - nem se amam. É um erro me fechar para novas possibilidades e insistir numa relação onde se esgotaram as chances de felicidade conjunta. Não me sinto tão responsável quando um relacionamento não dá certo, pois ninguém é obrigado a gostar de ninguém, e existem tantos nãos no mundo quantos sins.
“Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém... Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim... E ter paciência para que a vida faça o resto...” - William Shakespeare
Entretanto, não existem pessoas perfeitas, relacionamentos perfeitos, família perfeita, muito menos as pessoas têm de ser como imaginamos ou queremos que sejam, e perdoá-las é uma forma de aproveitar o melhor delas e até reforçar laços de afeto, mesmo quando pensam ou agem diferente do que gostaríamos que agissem. Novamente lembro William Shakespeare:

“Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso... Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos... Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. “


Gentileza gera gentileza”, escrevia pelos muros da cidade do Rio de Janeiro o Profeta Gentileza, um ‘maluco beleza’ dos tempos em que eu morava em São Gonçalo e trabalhava no Rio de Janeiro. Pela janela do ônibus era comum vê-lo pintando os muros! A mensagem é verdadeira, mas a visão é ingênua ao achar que a gentileza será capaz de tornar o mundo melhor! Lembro de políticos velhacos e corruptos que no Parlamento tratam-se uns aos outros com a maior gentileza, vossa excelência para cá e para lá, mas que na verdade são lobos em pele de cordeiro! Os estelionatários também usam da gentileza, da amizade, da beleza, da inteligência para nos conquistar e se aproximar de nós, para nos fim nos trair com seus golpes. Quando uma pessoa folgada e interesseira entra em nossa vida, por mais que você ame e seja generoso, isso não a transformará numa pessoa melhor, necessariamente. Pode torná-la ainda mais mesquinha e gananciosa. E quando você tentar se livrar ou exigir mudança vai descobrir o quanto uma pessoa assim pode ser manipuladora, pode explorar seus sentimentos de generosidade a ponto de fazê-lo se sentir culpado por cobrar mudanças, ou pode despertar um carrasco! Lembro dos inúmeros crimes passionais e também dos tristes casos de filhos e filhas que matam os pais e avós por que querem receber mais e mais! Em outubro de 2002, a estudante Suzane von Richthofen chocou o país ao confessar o assassinato dos pais enquanto eles dormiam em casa, no bairro do Brooklin, Zona Sul de São Paulo. O motivo do crime seria uma suposta oposição deles ao namoro de Suzane com Daniel Cravinhos, também envolvido nas mortes. Na mesma época, outro crime bárbaro perpetrado por um jovem de 17 anos que confessou ter matado a mãe estrangulada, afirmando que o crime ocorrera após uma discussão. Casos de violência extrema como esses mobilizam a sociedade não somente por sua natureza, mas também por refletir um desgaste nos relacionamentos familiares. Esta violência não aconteceu de uma hora para outra. Uma educação e sociedade permissivas, que cultivam o individualismo, o consumismo, a indiferença como valores, geram pessoas sem valor, sem personalidade, que acham que o mundo é como as novelas, que o padrão de vida não pode cair quando se tenta entrar no mercado de trabalho ou constituir família. O filho da família ou de uma sociedade permissiva não sabe como lidar com frustrações nem está acostumado à dificuldade e ao esforço, base da educação do caráter. O nível de violência nas ruas será menor à medida que cresça na sociedade o respeito mútuo - e este se aprende em família, com pais conscientes de que sua verdadeira missão no mundo é formar o caráter dos filhos. Claro, educar e pôr limites, exercer autoridade, dá trabalho, requer dedicação, exige de nós, por isso é um ato de amor e de doação, que nem todos os pais ou adultos estão dispostos a ter pelas crianças e jovens sob sua responsabilidade. Crescendo abandonados quase que à própria sorte, dependendo de babás despreparadas e da televisão como babá eletrônica, ou de esperança que a escola vá dar conta da tarefa de educar, não me surpreende o grau de violência e de infelicidade, e de depressão de nossa sociedade!

“O desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade”. - Carlos Drummond de Andrade


Tem gente que escolhe não amar para não sofrer, então prefere viver só, ou entra nas relações amorosas com um pé atrás, geralmente em função de decepções do passado. E depois se surpreende por que ‘nunca dá certo’! O medo paralisa, mas a vida é risco! “A vida é maravilhosa se não se tem medo dela” disse Charles Chaplin. Não tenho medo de correr riscos ou de sofrer. Entretanto, também não sou mais tão ingênuo e assim que percebo algum folgado tentando se aproveitar de mim, não tenho a menor dificuldade em estabelecer claramente os limites! É uma forma de protegê-las delas mesmas para que não façam estragos que venham a se lamentar mais tarde, por que ninguém que parasita outra consegue ser feliz muito menos fazer o outro feliz e não estarei ajudando as pessoas a escolherem por si próprias e serem pessoas autônomas, uteis a si próprias e à sociedade, permitindo que me parasitem de alguma maneira!