quarta-feira, 10 de março de 2010

Uma questão de princípios


Ao decidir participar do Governo, havia estabelecido uma condicionante. Contribuir para tirar a lixeira municipal de dentro do manguezal, que fazia limite com a APA (Área de Proteção Ambiental) de Guapimirim, no fundo da Baia de Guanabara, uma área rica de vida e principal responsável pela retenção dos sedimentos que impediam o assoreamento da Baía, e uma verdadeira cozinha e berçário da natureza!

Minha proposta era que a prefeitura parasse imediatamente de lançar lixo no manguezal e fazer um aterro controlado (que recebe cobertura com argila por cima do lixo) na área ao lado, fora do manguezal, embora próximo a ele, apenas enquanto em alguns meses localizávamos uma nova área e montávamos os projetos para a aquisição de uma usina de reciclagem de lixo com um aterro sanitário (que protege o lençol freático com brita, argila e manta protetora e recobre o lixo com argila, em sistemas de células). A idéia da usina da reciclagem era para atuar paralelamente a um programa de Coleta Seletiva de lixo na origem, e não apenas coletar tudo junto para depois ver o que dava para aproveitar na usina.

Tratava-se de reivindicações que nos já mantínhamos a vários anos a partir da UNIVERDE e agora que estava no Governo, considerava meu dever ajudar na solução!

Em princípio, creio que o Prefeito concordou para ganhar a adesão do PV e a minha própria, mas desconfio que se tratou apenas de uma estratégia política para atrair nossa aliança, pois só tomou providências depois que o Ministério Público o obrigou a fazer. Ou seja, se não podia fazer antes, por qualquer motivo, falta de dinheiro ou de prioridade, então por que pode fazer quando foi obrigado?

A montanha de lixo se formou desde o governo anterior, quando na Univerde e com a ajuda da imprensa mantínhamos a pressão sobre o governo para que não aterrasse mais mangue do que já tinha feito até agora. Então o lixo, passou a crescer para cima e virou uma montanha!

Durante os meses iniciais, acreditando que o Prefeito realmente estava em busca de uma solução para o destino final do lixo do Município, me empenhei bastante e contei com a ajuda do Armando Mendes, então Secretário de Planejamento, na busca de um local para a instalação da Usina de Reciclagem e do aterro sanitário, e, a partir daí, iniciar então os estudos e o projeto que permitiria a aquisição da Usina a custo zero pela Prefeitura, junto a fundos de fomento oficiais. Mas não deu tempo. Cerca de uns seis meses após o início do novo governo, durante um final de semana, o então secretário de Obras mandou empurrar o lixo para dentro do manguezal! Com aquele gesto, o governo do qual eu participava destruía mais mangue em seis meses que o governo anterior em seis anos! Um fato consumado, um crime ambiental sem chance de voltar atrás! Para mim, uma questão de princípios e não uma razão de governo. Procurei o prefeito e apresentei os meus protestos. Ele justificou-se argumentando que a montanha de lixo corria o risco de provocar um acidente e cair sobre um trator ou caminhão e acabar matando alguém! Argumentei que existiam alternativas para dar segurança aos trabalhadores sem cometer crime ambiental. Permanecer no governo, naquelas circunstâncias, seria compactuar com o crime e concordar com a destruição do manguezal que eu tanto defendia! Fiz então minha carta de renúncia e saí do Governo. Uma decisão difícil, pois tinha filhos pequenos e o salário de professora de minha esposa não daria para nos sustentar. Minha esposa me acompanhou na decisão e tive de ficar desempregado algum tempo, passamos por dificuldades, mas estava em paz com minha consciência.

Pouco tempo mais tarde, o Ministério Público obrigou o prefeito a retirar a lixeira do manguezal, sob pena de prisão. E só aí ele mandou fazer o aterro controlado, ao lado do antigo lixão, como eu havia recomendado. Entretanto, não deu seqüência ao resto do Projeto, que seria buscar um novo local e implantar uma Usina de reciclagem de lixo associada a uma coleta seletiva de lixo na origem das fontes geradoras de resíduos.

O Partido Verde, que ajudei a fundar, preferiu continuar apoiando ao governo e indicou o ambientalista e amigo Lauro Nobre para o meu lugar.

Eu compreendia perfeitamente que um partido político não é uma ONG, e existe para chegar ao poder e exercê-lo, entretanto, essa disputa pelo poder e principalmente a coligação com outros partidos deve se dar obedecendo a princípios, ou a população não conseguirá mais saber qual é a diferença entre um e outro partido. Em minha opinião, por princípio, o PV jamais deveria aceitar permanecer num governo que não desse a devida atenção às questões ambientais!

O meio ambiente não pertence aos governos, ou aos partidos, mas é um patrimônio e um direito de todos os habitantes e não pode ser usado como moeda de troca ou para receber lixo! O interesse público e do povo, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como assegurado no artigo 225 da Constituição Brasileira, não pode e não deve ser subordinado aos interesses de partidos políticos de ganhar e permanecer no poder ou mesmo a interesses de governo. Os governos são eleitos pelo povo para cuidar dos interesses do povo, e não dos seus próprios interesses partidários ou coletivos, e quando não fazem isso, devem ser denunciados e substituídos pelo povo.

Procurei democraticamente levar este debate dentro do Partido, mas o Diretório Municipal não me deu ouvidos. As versões que circulavam era que eu tinha um problema pessoal com o Prefeito e que era despreparado para o cargo, por ser ideológico e radical demais!

Paralelo a estes debates, eu também tinha outro, dentro do partido. Não me conformava com a falta de eleição direta dos dirigentes dos Diretórios Municipais, por que ficavam sem autonomia nas decisões políticas, principalmente locais, permitindo que coligações acontecessem de forma a comprometer a imagem do partido localmente. Por causa dessa política, os diretórios municipais estavam se tornando ‘feudos’ políticos de uns poucos, e uma ferramenta de negociação política por cargos!

Os fundadores do partido, entre os quais me incluía, e muitos deles com uma história de luta pela democracia, pelas liberdades e contra a ditadura, não mereciam serem confundidos com dirigentes partidários onde as decisões são centralizadas e de cima para baixo! Tínhamos uma história de luta a zelar, e se defendíamos o fortalecimento da democracia, então tínhamos de dar o exemplo a partir de casa!
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Entretanto, a cada embate percebia que perdia o prazer de participar da construção de um partido que estava indo no caminho oposto ao dos meus ideais. Não me sentia mais com a energia pessoal, nem com a competência política, muito menos apoiado por meus companheiros, muitos dos quais nomeados em cargos políticos ou com empregos na Administração Pública, para prosseguir nesse caminho. Percebi que meus caminhos e opções se estreitavam a cada embate, e decidi trocar de trincheira de luta, voltando minhas energias para o fortalecimento do movimento ecológico, para a democratização da informação socioambiental e para a literatura, onde esperava ser mais útil às lutas pela democratização da sociedade e por sua conscientização socioambiental.

Assim que me demiti da Prefeitura de São Gonçalo, permaneci um tempo sem trabalho, período em que me dediquei a escrever o livro “Ecologia para Ler, Pensar e Agir”, publicado pela Editora Paulus, onde me esforcei para colocar no papel o conjunto de ideais que me moviam e a minha visão de ser ecológico, que ultrapassava a idéia do ser humano enquanto espécie, para abraçar o universo inteiro!

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Vilmar