quarta-feira, 10 de março de 2010

Sábado é dia de faxina


Convidado pelo amigo e advogado Paulo Lemos, procurador da Companhia de Limpeza de Niterói - CLIN, voltei ao Governo Municipal, mas da cidade vizinha a São Gonçalo, Niterói, para ajudar na solução da limpeza em áreas de difícil acesso junto às comunidades carentes. Tratava-se de um desafio muito interessante para mim, pois pela primeira vez a Administração Municipal iria levar o serviço público de limpeza de forma sistemática às comunidades de baixa renda nos morros da cidade. A idéia de diminuir a distância entre as ‘cidades partidas’ me pareceu sedutora. Niterói é ainda uma cidade partida. Uma no asfalto, aonde os serviços públicos chegam, e outra nos morros da cidade, aonde os serviços públicos mal chegam, ou não chegam mesmo, onde habitam as comunidades de baixa renda, gente trabalhadora, humilde, que para ter água, por exemplo, precisa investir um dinheiro que não tem em bombas e canos d’água! É assim ainda até hoje em algumas comunidades, como a de Jurujuba, onde moro.

Com a ausência de serviços de Limpeza pública nos morros, não restava alternativa a não ser lançar sacos de lixo encostas abaixo, os chamados ‘pombos voadores’, que formavam cortinas de lixo pesando no solo com as chuvas, provocando deslizamentos, perdas de casas e até mortes, além de constituir em foco de ratos, baratas, mosquitos e outras pragas que voltam voando ou rastejando para dentro das casas, trazendo risco de doenças. Os técnicos da CLIN, empresa responsável pela limpeza urbana na cidade não tinham como subir aos morros com os serviços tradicionais, como caminhões e tratores, pois as vielas, becos e escadarias só permitiam o acesso a pé.

Após estudar o problema, e visitar as comunidades, conclui o óbvio, se o serviço público de limpeza não conseguia chegar até onde o lixo estava então o lixo teria de vir até aonde o serviço público pudesse recolhê-lo. E para fazer isso, precisávamos da adesão da população, que em vez de jogar seu lixo pela janela, deveria ser sensibilizada, informada e educada a trazer seu lixo até o pé do morro.

Com os companheiros e técnicos da CLIN, comecei um trabalho de educação ambiental nas comunidades despertando a cidadania ambiental, mostrando que mesmo os moradores de comunidades de baixa renda tinham direitos e mereciam respeito, que assim como a Prefeitura encontrou um jeito de retirar o lixo das áreas onde tinha asfalto, também teria de encontrar um jeito de recolher o lixo nos morros da cidade, pois não existem cidadãos de primeira ou de segunda classe, e uma cidade não poderá dizer que respeita seus cidadãos enquanto existirem cidadãos desrespeitados!

O discurso ambiental procurou se aproximar da realidade das comunidades, onde tive de traduzir o ecologês adaptando-o para as suas carências e mostrei que a política de favores e privilégios devia ser substituída por uma política de resgate e respeito à cidadania, assegurando direitos, e também deveres. Deu certo. O lixo começou a descer dos morros em vez de ser lançado nas encostas. Ao pé dos morros a CLIN colocou galões e passou a recolher o lixo duas vezes por dia. Entretanto, e o passivo ambiental? As ‘cortinas’ de lixo que permaneciam nas comunidades? A solução foi a criação do Projeto “Sábado é dia de Faxina”, onde a cada sábado a CLIN levava uma força tarefa de técnicos, garis, caminhões, tratores, e também ferramentas de sobra para que a própria comunidade auxiliasse na limpeza. Não era fácil. As encostas, de tão íngremes, exigiam que os trabalhadores descessem amarrados em cordas. E após a limpeza, plantávamos árvores frutíferas no local, como uma estratégia para que o lugar não viesse a se transformar novamente em cortina de lixo.

Entretanto, não era justo convocar os moradores, a maioria trabalhadores humildes, que passavam a semana inteira trabalhando, às vezes em trabalhos pesados, para no sábado de descanso trabalhar de graça na limpeza da comunidade, ainda que o benefício fosse grande para a comunidade! A CLIN jamais faria uma proposta desta a um morador de um bairro chamado nobre! Entretanto, como remunerar estes trabalhadores sendo o dinheiro público? Teria de abrir licitação? Como assegurar que este dinheiro não fosse desviado para interesses políticos ou pessoais? O Paulo Lemos criou uma solução interessante, um convênio de cooperação técnica entre a CLIN e as associações de moradores, auditável pelo Tribunal de Contas do Município, que passaram a receber as ferramentas em regime de comodato durante um mês, para uso na comunidade, e um pró-labore para cada trabalhador que participasse do mutirão, com base no salário mínimo/dia de trabalho. A associação de moradores recrutava os trabalhadores e distribuía as ferramentas e os técnicos da CLIN orientavam o serviço e retiravam o lixo, e tudo era devidamente documentado com fotos, os trabalhadores devidamente cadastrados, a fim de fazer a prestação de contas do dinheiro público.

Então, uma surpresa! A criatividade das comunidades passou a transformar os sábados de faxina em verdadeiras festas que funcionavam como um fator de mobilização de todos e não apenas dos trabalhadores. Os trabalhadores preferiram trocar o pró-labore por angu à baiana, dobradinha, feijoada, etc. que a própria Associação se encarregava de comprar e preparar. Como coordenador, eu acompanhava cada mutirão e como fazíamos mais de um a cada sábado, em morros diferentes, então tinha de comer dobradinha, feijoada, angu à baiana, churrasco, mais de uma vez no mesmo dia, pois não podia cometer a desfeita de recusar!

Gostava de estar no meio daquela gente simples, que apesar das dificuldades, procurava se superar e mostrava-se disposta a arregaçar as mangas pela melhoria de sua comunidade. Bem diferente dos bairros de classe média em que eu morava, onde não conseguíamos nem conhecer direito o vizinho do lado!

O Projeto ‘Sábado é dia de faxina’ foi um sucesso que perdura até hoje e deu origem aos Garis Comunitários, trabalhadores escolhidos pela Associação de Moradores para a limpeza de forma regular e permanente nas comunidades. Em 2005, Paulo Lemos me indicou, junto ao vereador Fernando de Oliveira Rodrigues, para receber o título de Cidadão Niteroiense, o que muito me honra ser reconhecido pela cidade que escolhi para viver e morar, como seu cidadão!

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Vilmar