quarta-feira, 10 de março de 2010

UNIVERDE





“Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha junto é o começo da realidade.” - Miguel de Cervantes (em Dom Quixote)


Vivendo em São Gonçalo, não poderia pensar a questão ambiental sem também levar em conta as influências das lutas sociais e comunitárias, o que me levou a buscar a aproximação e o diálogo com os sindicatos, as associações de moradores, entre outras organizações comunitárias.

"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer algo. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o que posso." - Edward Everett Hale


Entre as lutas que melhor revelam esta dimensão social e ecológica está a conquista do Parque Ecológico do Engenho Pequeno. Destinado a se tornar no Aterro Metropolitano da Região Metropolitana, através das intensas articulações e ações no campo dos dois movimentos, o ecológico e o comunitário, o que era para virar lixo virou uma nova unidade de conservação. Uma vitória destes dois movimentos, liderados, pela UNIVERDE e pela Associação de Moradores do Engenho Pequeno. O lema ecológico "Pensar globalmente, agir localmente" expressa a compreensão de que as realidades locais são profundamente afetadas por ações, decisões e políticas definidas de ‘cima para baixo’, seja regionalmente, seja globalmente, mas que não precisamos – não temos – que aceitar como fato consumado, pois muitas vezes um impacto ambiental bastante localizado é fruto de decisão gerada no bojo das correlações de força e dos princípios de ‘interesses de Governo’, ou de negócios, ou mesmo globais, da chamada nova ordem econômica mundial.

Nos segmentos mais ricos da sociedade e das nações, a maioria das pessoas tem resolvida a satisfação das necessidades materiais básicas (alimentação, moradia, saneamento básico, vestimenta, transporte), já nos segmentos mais pobres da sociedade e das nações, a maioria da população vive em condições miseráveis. Enquanto para os segmentos mais ricos da sociedade tratar de temas ligados à fauna e à flora era bem compreendido e apoiado, nos segmentos mais pobres era incompreendido, como se fosse um tema inoportuno diante das misérias que ameaçavam a sobrevivência dos seres humanos mesmo, e não das plantas ou dos animais. Ao escolher fundar uma organização não governamental ambientalista em São Gonçalo, um município pobre, na região metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro, enfrentei o desafio de adaptar o ‘ecologês’ às carências daquela sociedade. Em São Gonçalo, a maioria não conta com água potável nem saneamento básico e sua subnutrição os expõe em escala ampliada e um meio ambiente super-poluído. Os trabalhadores são contaminados no próprio ambiente de trabalho! Nas áreas rurais, os agricultores eram vítimas de agrotóxicos em escala indiscriminada expondo suas próprias vidas, além do conjunto do ciclo biológico.

Ao buscar um lugar em São Gonçalo onde pudesse promover debates sobre estes assuntos, recebi o apoio da direção da escola onde estudavam os meus filhos ainda pequenos, no Colégio Santa Terezinha, no Rodo de São Gonçalo. Contava com uma platéia assídua aos debates, como o Prof. Hélter e Ricardo Harduim, então um estudante de biologia, e que mais tarde fundou a organização não governamental PRIMA, e que ajudaram bastante em refletir e construir o novo pensamento ecológico que surgia.

Em 1981, convidei alguns amigos como o Walfrido Rocha (já falecido), o Lauro Nobre, o Daniel Ferreira, o Edson, entre outros, para fundar a UNIVERDE, que nasceu no quintal dos fundos de minha casa, no bairro Pita. A partir de 1982, enquanto trabalhava em editoras para ganhar a vida, presidi a UNIVERDE, iniciando uma série de campanhas de denúncia ambiental em São Gonçalo, mas sempre com o enfoque na qualidade de vida das pessoas, mostrando o equívoco de achar que o meio ambiente é tudo o que está à nossa volta, por que nos inclui também, uma verdade óbvia, mas que aqueles que queriam destruir e poluir a natureza faziam questão de minimizar, como se pudéssemos fazer o que quiséssemos com a natureza, sem ser igualmente afetados com isso.

A UNIVERDE atuou na informalidade até por volta de 1985, quando foi formalizada como uma organização ambientalista, sem fins lucrativos. Uma característica importante em nossa atuação ambientalista foi a construção de alianças com o movimento comunitário e com a imprensa, por que o meio ambiente e o que acontece com ele, é de interesse público. Esta estratégia revelou-se adequada para a formação de uma opinião pública sensível à questão ambiental, segundo comprovou a pesquisa realizada pelo Major Hazard Incident Data Service, da Grã-Bretanha. Dos 2.500 acidentes industriais no mundo, mais da metade (1.419) ocorreram apenas cinco anos, entre 1981 e 1986. Já os grandes acidentes ambientais, que envolveram maior número de mortes e milhões de dólares de indenização, num total de 233 acidentes, ocorreram no curto período entre 1970 e 1989. A divulgação em escala mundial destes fatos não só contribuiu para sensibilizar a opinião pública, mas também para fortalecer os movimentos ambientalistas, que se multiplicaram nesse período, além de gerar um conjunto de leis ambientais e de órgãos de controle que não existiam antes de 1970.

Tínhamos de enfrentar com coragem os desmatadores, a especulação imobiliária, os poluidores que nos ameaçava de morte a todo o momento. Sentíamos a falta de uma polícia ambiental para assumir nossas denúncias. Encaminhei ofícios ao Governador da época, Moreira Franco e ao Comando Geral da Polícia Militar solicitando a criação no Estado do Rio de Janeiro de um Batalhão Florestal, como já existia em outros estados. Após diversas conversas e reuniões para pressionar o Governo, finalmente descobri, através do Coronel Arouca que o impedimento se devia ao fato de não ter ainda aonde abrigar o novo Batalhão Florestal. Ofereci-me então para ajudar a solucionar o problema, e, após levar o Coronel e o Secretário Estadual de Meio Ambiente, Carlos Henrique de Abreu Mendes, a diversos possíveis locais, em São Gonçalo, o Governo acabou decidindo por instalar o novo Batalhão num desses lugares, a Fazenda do Colubandê, um prédio de enorme importância histórica, localizado em São Gonçalo, e que estava abandonado.

Foi uma conquista importante da UNIVERDE, e realizamos diversas manifestações e ações ecológicas no local, inclusive plantando árvores com meus filhos ainda pequenos, e que participavam comigo das atividades ambientais.

A UNIVERDE destacou-se ainda na defesa de um dos importantes redutos de mata atlântica em São Gonçalo, ameaçado de virar lixeira da região Metropolitana. O Governo do Estado chegou a construir o prédio da balança, fez movimentos de terra no local, colocou cerca, mas quando levou 15 caminhões de lixo para criar um fato consumado, a comunidade não deixou. Deitamos no chão para impedir a passagem dos caminhões e passamos a ocupar o lugar de forma mansa e pacífica, com atividades como o Festival de Pipas Ecológicas, caminhadas na mata com os alunos e professores do lugar, para que conhecem a riqueza natural que estava ameaçada e tomassem o lugar como uma conquista da cidadania. Esta luta resultou na criação Parque Ecológico do Engenho Pequeno.

“Ser ecologista, não é apenas ser contra aquilo que se chama progresso, não é apenas ser anti qualquer coisa ou anti tudo porque está na moda, não é apenas ser por certas manifestações com o seu quê de folclore (que também é, aliás, importante); ser ecologista é sobretudo acreditar que a vida pode ser melhor se as mentalidades mudarem e tiverem em consideração os ensinamentos que a velha terra e ainda o velho universo não cessam de nos transmitir.” - Fernando Pessoa

2 comentários:

  1. Bom dia, Sr. Vilmar Demamam.

    Gostaria de agradecer a iniciativa que teve em 1987 de lutar pela causa de nosso bairro e que nos proporcionou a APA do engenho Pequeno, diga-se hoje abandonada. Gostaria de saber do Sr. se podemos ter um contato mais proximo que o virtual, uma vez que tenho grande interesse em atuar hoje em melhorias no bairro em que vivo d a 34 anos. Assim sendo, estou disposto a iniciar um movimento de revitalização da mesma, uma vez que quando era mais jovem tentei participar de um conselho que estava sendo criado para gestão de atividades realacionadas a mesma, isso foi durante a administração do Prefeito Charles, mas a coisa era complexa, pois haviam muitos interesses.
    Caso possa me auxiliar, fico grato.

    Atenciosamente,
    Alexandre Valentim Soares da Silva
    valentimss@yahoo.com.br
    21 96988690

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  2. Olá, Vilmar, fiz parte deste movimento no Engenho Pequeno ainda adolescente, quando minha mãe participou de diversos movimentos contra a instalação do aterro sanitário. Hoje sou Diretora da Escola Municipal Profª Maria Amélia neste bairro. O PPP de nossa escola apresenta como um dos focos educacionais as questões ambientais. Gostaria de maior contato com seu trabalho na área ambiental, já que será muito importante para os nossos alunos.

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Olá, obrigado por seu comentário!
Um abração do
Vilmar