sábado, 13 de março de 2010

Eu tinha mãe! E era viva!











“Não seja escravo do seu passado. Busque novos oceanos, mergulhe fundo, nade para longe da praia. Quando voltar, estará livre de frustrações, carregando um poder que desconhecia. Isso o fará olhar além das montanhas do medo, em direção a um novo presente.” - Ralph W. Emerson


Um dia, em nossa casa em Alvorada, no Rio Grande do Sul, meu pai ainda era vivo e eu tinha uns 13 anos, apareceu uma mulher baixinha, com uma perna bem mais fina e menor que a outra, assustada com a possibilidade de meu pai voltar enquanto ela estivesse ali. Apresentou-se como minha mãe, que até aquele instante eu imaginava morta!

Minha primeira atitude foi de surpresa e depois uma mistura de incredulidade e revolta. Sentia-me enganado não só por meu pai ter mentido o tempo todo, mas também pela minha mãe, que eu julgava não ter nos procurado antes.

Sempre que se referia a minha mãe, o pai não poupava críticas. Dizia que não ‘prestava’, que era uma ‘prostituta que tinha tirado da zona’, e outras palavras grosseiras para encerrar de vez o assunto e evitar que continuássemos perguntando. Cresci com a informação de meu pai de que a mãe tinha morrido queimada na fatalidade de um incêndio, provocado por um curto-circuito no armazém que tiveram juntos.

Lembro que, na escola, quando criança, era obrigado a fazer trabalhos valendo nota para o ‘Dia das Mães’ e entregava à professora, que assumia o ‘papel de mãe’! Quantas vezes acordei com pesadelos, quando criança, com minha mãe gritando por socorro no meio do fogo!

A visita de minha mãe durou pouco, tempo suficiente para ela contar a sua versão da história. Disse que o pai sim é que ‘não prestava’ e que havia nos roubado dela e fugido, depois de tocar fogo no armazém que tinham, na tentativa de receber o seguro. Contou que, mesmo grávida, nos procurou por todo o canto, e que ‘chorou lágrimas de sangue’ (a expressão que usou) a perda de nós três, ficando apenas com estas fotos, que guardava na carteira como lembrança.

Ela disse que o pai agiu daquela maneira após retornar de uma viagem de alguns meses a trabalho, e encontrá-la grávida e, pelos cálculos dele, não teria dado tempo para que fosse ele o pai. Sentindo-se traído, a briga foi inevitável e colocou fogo no armazém. Enquanto minha mãe buscava abrigo em outro lugar para se proteger, ele fugiu do Rio Grande do Sul, para Brasília, levando os três filhos pequenos com ele. Essa foi a história que ela contou, entretanto, não confere com os fatos, pois minha irmã, Sheila Cristina, é nascida em Brasília, no mesmo período em que eu e meus irmãos vivíamos lá, apenas com o pai. Teriam meu pai e minha mãe divididos os filhos entre eles? Teriam convivido também em Brasília, onde nasceu a Sheila? Não temos mais como saber. O fato é que meu pai ficou com três filhos, eu, César e Cléia, e a mãe com o Tarcísio e a Sheila. Mais tarde, a mãe teve mais três filhos, de pais diferentes, a Fernanda, que faleceu vítima de atropelamento, aos nove anos, a Daiana e o Luiz Alberto.

Minha mãe mostrou então a foto de meu novo irmão, de nome Tarcísio, e que não sabemos o paradeiro, e a Sheila, mais nova que ele.

Depois desta rápida visita de minha mãe, nunca mais voltei a vê-la e, apesar de tentar encontrá-la, através de catálogos de telefones, não fazia a menor idéia nem mesmo em que cidade procurar. Talvez por medo que o pai a encontrasse, não deixou nenhum endereço! Depois de um tempo procurando, desisti, por que pensei que se eu não tinha o endereço dela, nem como fazer contato, ela tinha o meu endereço, e faria contato comigo, se quisesse.

Soube depois, pelo meu irmão César, que ela retornou ainda umas duas vezes à casa do meu pai, e que eles brigaram. Da primeira vez, minha mãe atirou uma pá contra o pai, e na segunda, uma enxada. Com este grau de animosidade entre eles, realmente, não tínhamos a menor chance de viver numa família estruturada. A tendência foi o afastamento, e a mãe desapareceu novamente. Nesta época, eu não morava mais com o pai, pois estava internado no Juizado de Menores, onde nunca recebi a visita nem de meu pai, nem de minha mãe!

Só em 2005, voltei a ter notícias de minha mãe, graças ao Orkut e ao meu irmão mais novo, Luiz Alberto, que vim a conhecer através da internet. Chefe de escoteiros e segurança por profissão, meu irmão Luis Alberto é também um apaixonado pela natureza, como também era meu irmão Fernando, por parte de pai!

Soube então que minha mãe havia conseguido mudar o próprio nome trocando o Demamam pelo nome de solteira de sua mãe. Como procurava nos catálogos telefônicos por Síria Marina Demamam, realmente não conseguiria encontrar, pois o nome dela passou a ser Síria Marina Bombardieri.

E soube também que uns dois anos antes, ela tinha morrido, vítima de um atropelamento no ponto do ônibus. Chovia muito, e o veículo não conseguiu parar ao derrapar no asfalto molhado. Ironicamente, no mesmo local onde também morreu atropelada minha irmã Fernanda, com apenas 9 anos de idade. Nos seus últimos anos, minha mãe vivia na companhia do meu irmão Luis Alberto, pois as duas filhas Sheila e Daiana já estavam casadas.

Um comentário:

  1. Que história! Ouvi um bom pedaço ao vivo, mas que livro se está perdendo! Incrível que você tenha perdido irmã e mãe atropeladas, em ocasiões diferentes, mas no mesmo lugar!. E como você se parece com sua mãe! Acho que o ambientalismo vai ter de dar um tempo para que essas reflexões todas sobre a construção de um cidadão se transformem em livro cálido e encorajador para tantos que temem até mesmo ir na esquina tomar um café. Você passou muito da esquina e do café.

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Vilmar