sexta-feira, 12 de março de 2010

Educando para fazer boas escolhas



“Os vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da Vida que anseia por si mesma. Eles vêm através de vós mas não de vós. E embora estejam convosco não vos pertencem. Podeis dar-lhes o vosso amor mas não os vossos pensamentos, pois eles têm os seus próprios pensamentos. Podeis abrigar os seus corpos mas não as suas almas. Pois as suas almas vivem na casa do amanhã, que vós não podereis visitar, nem em sonhos. Podereis tentar ser como eles, mas não tenteis torná-los como vós. Pois a vida não anda para trás nem se detém no ontem. Vós sois os arcos de onde os vossos filhos, quais flechas vivas, serão lançados. O arqueiro vê o sinal no caminho do infinito e Ele com o Seu poder faz com que as Suas flechas partam rápidas e cheguem longe. Que a vossa inflexão na mão do Arqueiro seja para a alegria; Pois assim como Ele ama a flecha que voa, Também ama o arco que se mantém estável.” - Gibran Khalil Gibran (O Profeta)

Educar filhos não é uma tarefa fácil. Fomos educados numa época que rapidamente deixou de existir, e pela geração de nossos pais e avós, que, por sua vez viveram numa época ainda mais diferente do que foi a nossa! Ainda assim, temos de enfrentar o desafio de sensibilizar nossos filhos a serem cidadãos independentes, capazes de saber fazer escolhas entre as diversas opções e caminhos que a vida nos oferece, sabendo suportar os ônus e os bônus de suas escolhas. E como demoramos a dominar essas capacidades – se é que as dominamos inteiramente!

Não criamos os filhos para nós, mas para o mundo, bom ou mau, onde terão de viver. Logo, nosso papel como pais não é pretender transformar os filhos numa extensão de nós mesmos, de nossos sonhos não realizados, como se os filhos, ao crescerem, tivessem de serem os adultos que não conseguimos ser, em outras palavras, tivessem de seguir as escolhas que fizemos por eles. Não é impedindo que nossos filhos façam escolhas, ou escolhendo a vida inteira o que é melhor para eles, ou assumindo as responsabilidades ou os ônus das decisões deles - que os ajudaremos a crescer. Não devemos assumir para nós, mesmo que consigamos suportar, os fardos de outras pessoas, muito menos de nossos filhos, pois cada um deve ser capaz de assumir os riscos e os perigos dessa vida, responsabilizando-se pelos seus atos e escolhas, caso contrário, só irão gerar mais sofrimento inútil e não irá adquirir o necessário aprendizado moral que forja os bons seres humanos.

As crianças de hoje, ao chegarem à alfabetização, já assistiram uma infinidade de horas de televisão, centenas de imagens de assassinatos e violências, horas e horas de propaganda estimulando o consumismo. O acesso das crianças a toda essa tecnologia e estímulos de consumo, faz com que os problemas do mundo contemporâneo cheguem até elas na forma de imagens e texto, muito antes que estejam prontas para compreender e processar tantas mudanças e transformações. Por isso, sempre nos preocupamos em dosar o tempo de nossos filhos na frente da televisão, e em ler e oferecer bons livros para eles.

À medida que nossa sociedade se torna mais complexa e competitiva, crescem as exigências para formar adequadamente uma pessoa, tanto em termos de tempo quanto de recursos financeiros. Se no passado bastava garantir aos filhos uma boa formação educacional para que o acesso ao mercado de trabalho estivesse assegurado, hoje isso não é mais suficiente. E os pais ainda têm de ter a habilidade de lidar com as frustrações profissionais dos filhos procurando manter-lhes a auto-estima e entusiasmo depois de formados, diante do desemprego ou subemprego.

“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” é um método ‘educacional’, infelizmente, ainda usado até hoje. Isso tem produzido mais adultos hipócritas que um mundo mais justo, pacífico e ecológico poderia suportar. A mentira não é mais convincente que a verdade, e esta é uma lição para ser ensinada através do exemplo, pois os jovens costumam observar muito mais os exemplos que as palavras. Quantas vezes os adultos falam uma coisa e praticam outra! Sem coerência o discurso perde a eficácia. Um exemplo disso é quando os mesmos pais que proíbem os filhos de ir a uma festa com os amigos, por medo que venham a usar drogas, pedem que os filhos comprem cigarros ou cerveja no mercado da esquina. E com que moral um adulto, que possui amante, pode aconselhar seus filhos a serem fiéis em seus relacionamentos? As pessoas mentem, às vezes, achando que a verdade pode magoar o outro. Ou então mentem para fantasiar a realidade e criar uma imagem de si próprias que preencha a expectativa dos outros a seu respeito. As pessoas não percebem que a mentira magoa mais que a verdade. Na hora, a verdade pode doer até mais, porém mantém a confiança no outro. Já a mentira, ao ser descoberta, além da mágoa vem também a falta de confiança, que é difícil restabelecer depois, como um vaso de cristal que, uma vez quebrado, você pode colar de novo, mas as emendas permanecerão visíveis, como um alerta para tomar cuidado!

"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente." - Soren Kierkegaard


A herança genética e a herança cultural que recebemos ao longo da vida, as pessoas com quem nos relacionamos, os livros e autores que lemos, todos exercem influência sobre nós, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade. Entretanto, ninguém vive a vida em nosso lugar! Para Nietzsche, “o espírito de um ser humano se constrói a partir de suas escolhas...” Conscientes ou inconscientes, somos o resultado de nossas escolhas! Quanto mais capazes estivermos de fazer escolhas conscientes, menos vulneráveis estaremos a sermos escravos ou mesmo vítimas de nossos instintos ou das circunstâncias à nossa volta. Ernani Fornari afirma que “viver consciente disso desenvolve nosso discernimento e nossa responsabilidade para com a vida, com as pessoas e com nossas atitudes.”

"Existir é mudar, mudar é amadurecer, amadurecer é criar a si próprio infinitamente". - Henri Bergson


Não existem escolas para nos ensinar a amar e ser amado, a ser feliz e fazer os outros felizes, a ser democrático, generoso, solidário, justo, sustentável... Estas lições estão no mundo, mas teremos de aprender. Às vezes aprendemos por simples observação dos erros e acertos alheios, às vezes precisamos vivenciar esses erros e acertos para aprender, e, existem situações, que se repetem em nossa vida, revelando que tem vezes que não aprendemos nem com os próprios erros, logo, tenderemos a repeti-los!

Ao vermos uma criança, um jovem, temos a ilusão de estar diante de um sujeito completo. Nada mais falso. O que vemos diante de nós é apenas a casca. A personalidade, o caráter, os sentimentos, os valores, a espiritualidade, estão fora do alcance de nossas vistas. Muitas vezes os adultos cobram das crianças ou adolescentes comportamentos de ‘gente grande’, como se fossem pessoas completas, amadurecidas, como se estivessem prontas, quando, no entanto, ainda estão se construindo.

“A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final”. - Luís Fernando Veríssimo


Educar a nova geração para a autonomia é um processo de educação também dos educadores, pois ao mesmo tempo em que precisamos nos esforçar em dar o melhor de nós, também precisamos nos educar para abrir mão do nosso poder de fazer escolhas por eles. Claro que essa transferência se dará à medida que a nova geração comprove ser capaz de escolher adequadamente entre as diversas alternativas, e demonstre capacidade em assumir os ônus de suas escolhas.

Escrevi o livro “O Desafio de Escolher” como forma de contribuir para que as pessoas possam refletir sobre suas escolhas e o papel que elas representam em nossas vidas.

Quando nascemos, até por volta da pré-adolescência, nossa capacidade de fazer escolhas adequadamente é praticamente nula. Não nascemos sabendo escolher o que é melhor para nós. Por isso, se os pais deixarem a decisão por conta da criança, ela pode preferir comer só doces em vez de legumes, feijão, arroz, dormir e brincar em vez de ir à escola etc. É uma fase em que os pais precisam tomar decisões pelas crianças, ao mesmo tempo em que devem aproveitar as oportunidades de mostrar às crianças como fazer escolhas adequadas, mostrando-lhes as suas conseqüências, para que adquiram as habilidades necessárias para fazerem suas próprias escolhas.

Na adolescência, o papel dos pais e educadores é muito importante na vida dos jovens que precisam testar seus limites e capacidade de escolhas, sem que sejam punidos injustamente ou exageradamente como a sociedade normalmente faz com os jovens infratores. É no ambiente familiar que os adolescentes poderão fazer experiências com seus pais e adultos mais próximos a fim de testar suas habilidades e saber quando estarão prontos para o mundo adulto, e não existe outra forma de testar limites a não ser ultrapassando-os, tendo de aprender também a lidar com as perdas, com as frustrações, com os ônus das decisões quando elas saem errado. Os pais são os primeiros adultos com os quais esses futuros adultos deveriam poder dialogar, trocar idéias, e mesmo enfrentar sem medo de serem rechaçados ou punidos injustamente. Neste aspecto, os conflitos entre pais e filhos não precisam ser um mal em si, se houver a compreensão de que os jovens em crescimento estão lutando para tomar suas vidas e destinos em suas mãos, embora não estejam ainda preparados para isso.

Cada um tem o seu momento próprio para migrar de autonomia nenhuma para autonomia cada vez maior de escolher o que é melhor para ele, assumindo os riscos dessas escolhas e os conseqüentes ônus e bônus. Entretanto, é natural que, tanto os pais quanto os próprios filhos sintam medo diante das incertezas desse mundo. Os pais se perguntam: “será que meus filhos estão preparados para fazer as escolhas certas? Estarão prontos para constituir uma nova família e educar adequadamente seus próprios filhos?” Tanto para os pais quanto para os filhos é difícil decidir entre a segurança de viver sob a guarda – e a tutela das escolhas - dos pais, e a liberdade de viver – e escolher a própria vida e destino – que o mundo oferece aos filhos já crescidos.

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